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Lorenzo Suarez
Os acontecimentos daquela noite não eram aqueles que estavam planeados mas ainda assim o resultado final tinha sido o mesmo e era apenas isso que interessava. O Theo estava morto e isso é que era importante. As semanas seguintes foram as mais difíceis quando uma vez mais aconteceu algo que estava fora dos planos e apesar de saber perfeitamente as consequências do que me tinha sido proposto, tanto a nível psicológico como o que poderia acontecer caso o corpo fosse descoberto, é muito diferente pensares no assunto e vivê-lo.
Mesmo sem o fazer propositadamente, nas semanas que se seguiram tinha acabado por me afastar da Sky e em parte tinha-me desculpado com o facto de saber que ela precisava do seu espaço para processar tudo o que tinha acontecido naquele dia.
Quando aquele assunto me tinha sido proposto achei que seria bastante fácil; era só aproximar-me de uma rapariga, leva-la a confiar em mim o suficiente para que eu estivesse bastante perto dela e conseguisse resolver a situação assim que ela se apresentasse porque era óbvio que o Theo vinha atrás dela. Tinha julgado que seria facílimo porque tinha jurado a mim próprio que depois da rapariga que me tinha partido o coração, não haveria outra que me fizesse sentir da mesma forma mas estava redondamente enganado. Aos poucos a Sky tinha-se entranhado na minha pele à medida que a ia conhecendo melhor, que começava a perceber que não éramos assim tão diferentes um do outro e também com o passar do tempo. Devia ter sabido desde o início que as coisas não eram assim tão a preto e branco como eu julgava já que agora que era mais do que evidente que eu sentia algo bastante forte por ela, não conseguia estar perto dela sabendo tudo o que lhe escondia.
A confusão da festa fazia com que os meus pensamentos acalmassem aos poucos; sempre me tinha dado melhor em ambientes destes assim como acontecia com os combates, o mesmo se passava fora deles. Queria contar-lhe toda a verdade mas não sabia como o fazer sem que ela passasse a odiar-me e nunca mais me quisesse ver à frente.
- Vou esperar pela Sky. – dei um beijo à bochecha da minha irmã antes de a deixar com o Diego e caminhar lentamente de volta até ao exterior da enorme mansão.
- Enzo? – estava a tirar o telemóvel do bolso das calças para lhe mandar uma mensagem quando ouvi aquela voz conhecida – Não acredito… És mesmo tu?
Levantei o olhar do ecrã do telemóvel para a rapariga que se encontrava à minha frente. Não via a Laura há cerca de dois anos e apesar disso não via qualquer diferença entre a rapariga que estava à minha frente e aquela que se tinha ido embora. Fiquei alguns segundos hipnotizado no seu sorriso sem conseguir fazer mais nada.
- Não sabia que tinhas voltado. – foi a única coisa que consegui dizer.
Ela voltou a sorrir e encolheu os ombros – Desconfiei que o meu primo não te dissesse afinal o Martin odeia-te. Sim, voltei a Espanha mas são apenas umas pequenas férias. Oh meu deus, estás igual!
Não, não estou, pensei para mim mesmo; já não era o rapaz iludido que pensava que aquela rapariga era aquela com quem ele ia acabar por casar quando para ela não passava de um passatempo, de alguém com quem ela poderia estar para se rebelar contra os pais mas que nunca seria o suficiente. E apesar de tudo isso me passar pela cabeça, ainda assim sentia uma espécie de atração na sua direção.
- Laura, eu estou-
- Vamos para outro sítio. Vamos para um sítio mais sossegado onde dê para falar como deve ser. Quero saber tudo o que se passou contigo nestes anos. – abri a boca para recusar o convite mas antes de o conseguir fazer já ela me estava a agarrar na mão enquanto sorria, aquele seu sorriso – Anda lá Enzo. Que mal é que pode acontecer?
Apesar de me passar pela cabeça muitas das coisas que poderiam acontecer de mal e de me lembrar a mim próprio que estava ali à espera da Sky, o meu corpo parecia não querer ligar a nada do que o meu cérebro dizia porque assim que ela começou a andar para o interior da casa, segui atrás dela.
No andar superior da mansão a confusão era muito menor uma vez que toda a gente se encontrava concentrada na grande sala de estar do andar de baixo. Não era preciso ser muito inteligente para saber qual era o plano da Laura já que nos estávamos a dirigir para a zona dos quartos; mesmo que fosse apenas com o intuito de conversas como ela tinha sugerido, conhecia-a bem o suficiente para saber que não ia acabar ali e mesmo assim parecia completamente estático sem conseguir dizer o que fosse ou afastar-me.
Por mais que tentasse meter os meus pensamentos no sítio certo, aquela tinha sido a rapariga por quem eu me tinha apaixonado, tinha sido o amor da minha vida, o meu primeiro amor e aquela que eu achava que ia acabar pelo que tínhamos um passado enorme para trás e isso estava sem dúvida a influenciar todos os meus pensamentos.
- Laura, não sei muito bem o que é que esperas que aconteça mas eu não estou interessado em ti, já não.
Mal tive tempo de acabar aquela frase quando o seu corpo veio ao encontro do meu e os nossos lábios se juntaram. Fiquei estático por alguns segundos antes de o meu corpo assumir uma vez mais aquilo como algo que lhe era familiar e corresponder ao beijo. Não tinha absolutamente qualquer controlo nos meus pensamentos e mesmo no meu corpo mas assim que as mãos dela começaram a encaminhar-se para dentro da minha camisola, surgiu-me a imagem da Sky e afastei-a de mim o mais rapidamente possível. Claro que não foi rápido o suficiente.
**
- Sky, não! Espera! – gritei enquanto a via afastar a passo apressado. Tinha sido um idiota ao fazer exatamente aquilo que eu sabia que ia acontecer e apesar de me ter afastado da Laura, sabia que nada disso importava quando a Sky nos tinha apanhado aos beijos, fechados num quarto. Ela estava chateada e magoada e tinha todo o direito disso.
- És mesmo um canalha. – desviei o meu olhar para a Meg assim que ela se meteu à minha frente – Mas agora não me interessa com quem é que andas aos beijos para além da minha prima. Eu vi-te hoje lá na embaixada. Estavas a receber dinheiro do meu tio e quero saber que merda é que se está a passar aqui. Estiveste este tempo todo a enganar a Sky? Para quê?
- Megan, não tenho tempo para isto.
- Não me interessa! Arranja-o! – apesar de ser uns bons centímetros mais baixa do que eu e de ter um ar adorável, naquele momento sabia que a Meg era bem capaz de me atingir em alguma zona vital para além de estar a falar no tom mais alto que alguma vez já a tinha ouvido.
- O que é que se passa? – perguntou o Santiago assim que apareceu ao pé de nós com uma bebida na mão.
- Vi o teu irmão a receber dinheiro do meu tio e quero saber o que raio é que se passa aqui.
- Meg-
- Não me venhas com merdas, Santiago. – há muito tempo que não a ouvia a chamar o meu irmão pelo seu nome completo – Quero uma explicação e já.
- O Enzo não te culpa.
- Santiago-
- Não tens culpa. – repetiu o meu irmão enquanto desviava o olhar para mim de volta para a namorada – Há seis meses fui apanhado a vender droga e fui preso. – abanei a cabeça enquanto tentava procurar a Sky com o olhar; aquela discussão parecia durar há imenso tempo mas não tinham passado mais do que alguns minutos e apesar de estar ao longe, ainda a conseguia ver a afastar-se de mim, cada vez mais longe… - O teu tio fez um acordo com o meu irmão para me tirarem da prisão em que o plano era ele aproximar-se da Skylar o suficiente para que quando o Theo viesse à procura dela, ele matá-lo. – voltei a olhar para a Meg assim que aquelas palavras foram proferidas e a verdade estava ali exposta finalmente – O plano sempre foi esse. Matar o Theo.
- O teu tio tem-nos pago e o foi o Clarke que nos ajudou a resolver toda a situação com o corpo do Theo. – falei finalmente e à medida que observava a sua expressão, sabia que era exatamente a mesma expressão que a Sky faria assim que soubesse toda a verdade e se as coisas entre nós já estavam como estavam, sabia que a ia perder por completo.
Por isso é que as palavras que a Meg nos dirigiu a seguir não me apanharam sequer de surpresa.
- Oh meu deus. Vocês são doentes. Isto foi tudo um plano? Durante este tempo todo isto foi tudo um plano? Aproximaram-se de nós para matar uma pessoa. Oh meu deus. – o meu irmão estendeu a mão na direção da Meg mas ela afastou-se para trás, impedindo-o de lhe tocar – Não te aproximes de mim. Não se aproximem de nós.
O Santiago estava prestes a falar novamente quando o meu olhar parou novamente na Sky. Ela estava agora prestes a chegar à estrada e naquela fracção de segundos consegui ver que o carro que ia passar por ela não estava a fazer qualquer esforço por travar, muito pelo contrário, estava a acelerar cada vez mais.
Comecei a correr em direção a ela mas ainda estava muito longe quando assisti ao embate. O pára-choques colidiu contra o corpo da Sky que voou literalmente por cima do carro antes de aterrar no chão. Voltei a correr, ouvindo os gritos da Meg atrás de mim assim que também ela se deu conta do que tinha acontecido.
Quando cheguei finalmente junto à Sky, já a rapariga de cabelos loiros tinha entrado no carro e abandonado o local a grande velocidade. Havia muita gente a juntar-se a nós, gente com o telemóvel na mão obviamente para telefonar para chamar uma ambulância enquanto eu a puxava para junto do meu peito.
- Desculpa. – murmurei contra os seus cabelos – Sky, desculpa. – não sei quando é que comecei a chorar mas não consegui controlar as lágrimas enquanto a embalava contra o meu corpo – Por favor não me deixes. Eu amo-te. – repeti pela segunda vez naquela noite e só conseguia pensar que o devia ter dito mais vezes, que o devia ter provado sempre.
**
Os paramédicos só deixaram ir uma pessoa na ambulância e a Meg não me deixou ir com a Sky. Sabia que ela mantinha a opinião de que não me queria nem a mim, nem ao meu irmão perto de qualquer uma delas mas isso não me ia impedir de ver a Sky naquele momento. Se quando ela me mandasse embora quando estivesse bem, eu iria cumprir a sua vontade, mas até lá queria estar ao lado dela e saber tudo o que se passava.
O Santiago não me deixou conduzir e depois de avisarmos a Lola e o Diego do que se tinha passado, ele levou-me ao hospital, onde os outros dois iriam ter depois. O meu irmão estava sentado na cadeira ao meu lado e apesar de eu saber que ele nunca tinha gostado da Sky, principalmente porque a culpava por tudo o que tinha acontecido (na ótica dele se não fosse o problema da Sky, o pai dela não tinha feito aquela proposta e não estávamos agora metidos em todo este problema para o tirar da prisão), sabia que estava preocupado por causa de mim e da Meg que andava às voltas de um lado para o outro na sala de espera.
- Já liguei ao meu tio, ele vem para cá. – disse ela enquanto guardava o telemóvel no bolso – Podem acabar o negócio agora. A Sky está numa cama de hospital por isso não sei se vais receber mais alguma coisa. – atirou ela.
- Meg... – murmurou o Santiago.
- Cala-te. Nem vos devia deixar estar aqui. Não acredito que alguma vez confiei em vocês. – ela abanou a cabeça sem parar de andar de um lado para o outro, o que me estava a deixar ainda mais nervoso – A Lola sabia disto tudo? Também só se aproximou de nós para facilitar o vosso plano? Se calhar até a vossa mãe está metida nisto. Oh meu deus.
- A Lola não sabe de nada. – respondi apertando a cana do nariz com força; estar ali sem saber nada da Sky estava a deixar-me maluco e sabia que ainda tinha passado pouco tempo desde que ela tinha sido levada para cirurgia – Ela e a minha mãe acham que conseguimos resolver as coisas pela via legal. Nenhuma delas sabe nada do Theo nem do resto.
- Oh meu deus. – levantei o olhar assim que ouvi a voz da minha irmã que entrou na sala de espera acompanhada pelo Diego – Já sabem alguma coisa?
- Não, não sabemos de nada. – respondeu a Meg antes de nos virar costas a todos e continuar com o seu ritual de andar às voltas naquele local.
A sala encheu-se de silêncio durante vários minutos até que o telemóvel da Meg começou a tocar e ela se afastou para ir atender. Levei os dedos ao cabelo e apertei os mesmos com força enquanto batia com os pés no chão branco do hospital. Na minha cabeça continuava a rever o momento do embate ao mesmo tempo que ia imaginando possíveis cenários para evitar o acidente; se tivesse ficado à entrada à espera dela em vez de ter seguido a Laura de volta para o interior da casa, a Sky nunca me teria apanhado no quarto com ela e nunca teria ido embora sem mim pelo que nunca teria sido atropelada.
Ainda assim, apesar de não ter dado grande atenção a isso no momento em que tinha acontecido, a rapariga dos cabelos loiros que tinha entrado no carro responsável pelo acidente da Sky, era a mesma rapariga que eu tinha visto antes na esquadra, era a Nora. Pelo que tinha a certeza absoluta que o atropelamento não tinha sido um acidente e que se ela se queria vingar da Sky pela morte do Theo, não importava como mas arranjaria forma de o fazer.
- O meu tio está na esquadra. – apesar de continuar chateada connosco, agradecia imenso à Meg por ainda assim partilhar toda a informação – Houve várias testemunhas no local que viram a condutora e confirmaram que não foi um acidente. Foi a maluca da Nora. – voltei a apertar a cana do nariz ao ouvir aquela confirmação – A coisa boa disto é que estão a tratar de um mandato de captura. A partir deste momento a Nora é procurada por homicídio e tentativa de homicídio.
- Homicídio? – repetiu o Diego uma vez que mais nenhum de nós se pronunciou.
A Meg assentiu com a cabeça – Não consegui esclarecer bem tudo porque era a Kendra ao telemóvel mas descobriram que a Nora sofre de problemas psicológicos. Ao que parece ela nunca teve nenhuma relação com o Theo; começou a mandar-lhe cartas quando ele estava na prisão e tentou visitá-lo várias vezes mas ele negou sempre recebe-la. A polícia diz que a Nora estava obcecada com o Theo e que assim que soube que ele vinha atrás da Sky que o matou e por isso é que agora a tentou matar. – senti o olhar dela fixo em mim – Depreendo que o meu tio e o Clarke tenham conseguido dar a volta à situação do corpo.
O silêncio voltou a reinar assim que aquelas palavras foram ditas em voz alta. Não havia qualquer prova de que a Nora estava metida na morte do Theo uma vez que ela não tinha feito qualquer parte dessa noite mas a Meg tinha razão; o tio dela e o Clarke tinham poder e meios para fazer com que um fio de cabelo dela ou o que fosse estivesse junto ao cadáver e levasse a concluir que ela era a responsável por isso.
Se gostava de culpar uma inocente por algo que nós tínhamos feito? Não, não gostava, mas a Nora não era propriamente uma inocente depois do que tinha feito à Sky.
- É a família da Skylar Mars? – levantei-me automaticamente da cadeira desconfortável e caminhei até junto do médico assim que a Meg respondeu afirmativamente à pergunta – A Skylar saiu agora da cirurgia. Infelizmente as notícias que vos trago não são as melhores. – aquelas palavras bastaram para sentir como se eu próprio tivesse sido atropelado - O embate deixou-lhe alguns ossos partidos mas nesse aspeto ela até teve sorte; já vi entrarem aqui vítimas de atropelamento num estado bem pior que o da Skylar. Infelizmente durante a cirurgia foi possível observar que a Skylar sofreu danos cerebrais e não sabemos quais os danos reais até ela acordar do coma induzido.
- De que tipo de danos é que estamos a falar? – perguntou a Meg com a voz a tremer.
- Como eu disse, só saberemos assim que acordar mas tendo em conta o local onde se encontram os danos, podem estar relacionados a nível da memória da Skylar. E se assim for, novamente não saberemos até que nível é que essa amnésia se pode estender enquanto ela não acordar.
Levei as mãos aos cabelos, apertando-os com força enquanto revivia na minha cabeça todo o discurso do médico. Amnésia. Essa era a palavra que martelava com mais força no meu cérebro.
- Lamento muito. – o médico voltou a falar e apesar de não querer ouvir mais nada do que ele tinha para dizer, os meus pensamentos cessaram assim que ouvi a voz dele, quase como se desejassem que ele viesse agora dizer que era tudo mentira, que a Sky estava bem e tinha apenas uns ossos partidos, nada de grave – Tenho também que vos informar que infelizmente o bebé não sobreviveu.
- Bebé? – antes mesmo de ter tempo para pensar no assunto, a pergunta saiu-me disparada.
A expressão do médico tornou-se ainda mais carregada de pesar e apesar de eu achar que os médicos já estavam anestesiados para este tipo de coisas, que já tratavam esta conversa com os familiares como algo banal, aquele médico parecia mesmo com pena de todos nós.
- Sim, a Sky estava grávida. É possível que nem a própria soubesse porque estava ainda de cerca de dois meses mas o bebé não resistiu. Mais uma vez lamento imenso.
- Podemos ir vê-la? – perguntei sem saber muito bem onde é que tinha arranjado força para voltar a falar quando naquele momento sentia como se tivessem arrancado por completo o chão que tinha debaixo dos pés.
- Claro, sigam-me.
O quarto era completamente branco à excepção de umas cortinas azuis que tapavam a luminosidade que vinha do lado de fora. Na cama e ligada a todos os tipos de máquinas estava a Sky, de olhos fechados e com um ar tão tranquilo que seria facilmente confundida com alguém a dormir, alguém que tinha levado com um camião em cima mas que estava a dormir.
Dei a volta à cama e sentei-me junto dela sem me importar minimamente se a Meg me queria ali ou não. Não ia sair dali, não a ia deixar. Já tinha feito demasiado para a magoar, já tinha feito demasiado para levar a que ela estivesse ali deitada naquela cama de hospital mas não a ia abandonar.
A Sky tinha perdido o bebé, o nosso bebé. Não tinha dúvida nenhuma de que aquele filho era meu e agora para além da minha mente se encher de possíveis cenários de como poderia ter sido a nossa noite se eu tivesse tomado decisões diferentes, estava também a imaginar como seria o nosso filho, se seria uma menina ou um menino, o quanto íamos discutir até concordarmos os dois num nome e até nos conseguia ver daqui a uns anos, a passar os três de mãos dadas.
Em vez disso ela estava ali, deitada e imóvel naquela cama de hospital.
- Amo-te. – murmurei contra a pele do braço dela sem me importar minimamente com o resto das pessoas que se encontravam naquele quarto e se me ouviam ou não – Vou estar aqui ao teu lado sempre. E quero que saibas que vou fazer de tudo para te compensar. Se acordares e te lembrares de mim, vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que me perdoes mas se não te conseguires lembrar de mim, vou fazer tudo para que te voltes a apaixonar por mim. Porque eu não consigo viver sem ti, já não. Preciso de ti, Sky. Por favor, volta para mim. Volta para nós.
Nunca tinha achado que aquele plano era boa ideia; tinha sempre defendido que devíamos ter chamado a polícia depois da morte do Theo, explicar toda a situação e resolvê-la de uma vez por todas. Isso não tinha acontecido e agora cada vez mais me arrependia de não me ter conseguido acalmar, ter a cabeça fria e fazer aquilo que era necessário, o que era basicamente o contrário do que tínhamos feito.
O aparecimento da Nora tinha feito com que o plano de fingir que nada tinha acontecido fosse por água abaixo. À polícia ela disse que o Theo estava desaparecido e que tal se devia a algo que eu lhe tivesse feito mas sem provas não me podiam fazer nada, foi o que o Clarke nos explicou.
Ainda assim a Nora não desistiu de meter as culpas para mim e quando o Theo foi oficialmente dado como desaparecido, a polícia começou à procura dele. Claro que o tratavam como fugitivo ou raptado mas eu sabia que não ia demorar muito até começarem à procura dos suspeitos da sua morte.
As duas semanas que se seguiram estão no top 5 das piores da minha vida. Novamente o plano era fingir que nada tinha acontecido naquela noite; caso alguém nos perguntasse, tínhamos ido até à antiga casa dos meus pais para passar o fim-de-semana e tínhamos ido à festa do Martin, onde toda a gente nos tinha visto e podia confirmá-lo.
As buscas da polícia continuaram pelo Theo continuaram mas não havia sinal dele e se isso continuasse, ele ia ser colocado na lista de pessoas desaparecidas. Tudo bem para nós. Mas claro que isso não aconteceu.
Quando estava finalmente a conseguir acalmar o nervoso miudinho que sentia desde aquela noite, quando estava finalmente a conseguir dormir melhor e a ponderar que afinal ia conseguir viver com aquilo que tínhamos feito, foi quando tudo descambou.
Começou com a reportagem no jornal da noite quando deram conta da descoberta de restos mortais; a jornalista continuou a falar mas depois daquelas primeiras palavras serem proferidas, os meus ouvidos começaram a zumbir e não consegui ouvir absolutamente mais nada. Na verdade não consegui fazer nada e a única coisa que me lembro foi da Meg a agarrar no telemóvel, de certeza a ligar para o Santiago.
Depois disso o Clarke voltou a falar comigo, com o meu pai e com a Meg, dizendo que estava em cima de tudo o que a polícia fazia e que não ia deixar absolutamente nada ao acaso. Claro que nenhum deles acreditava que eu tinha sido responsável pela morte do Theo e como era suposto fingir que aquela noite não tinha acontecido, eu nunca disse uma palavra que mostrasse o contrário.
Não consegui dormir mais do que um par de horas nas noites que se seguiram, enquanto aguardava que a polícia confirmasse que o cadáver se tratava do Theo e passava o tempo todo a olhar para a porta do meu quarto, à espera que a polícia entrasse por ali adentro para me levar algemada até à esquadra.
Isso não aconteceu mas depois de confirmarem que os restos mortais pertenciam ao Theo, fui chamada a interrogatório. O Clarke disse para não me preocupar, que se tratava apenas de um procedimento de rotina uma vez que eu tinha um passado com o Theo mas eu sabia que não era esse o único motivo, que o facto de a Nora ter andando a gritar aos sete ventos que se tinha passado alguma coisa com ele e que a culpa era minha, fazia agora com que eu parecesse muito culpada já que tinha mesmo acontecido alguma coisa com ele.
Estar naquela sala de interrogatório foi uma das experiências mais horríveis de sempre. Sentia-me ligeiramente mais segura com o Clarke ao meu lado mas ainda assim a agente responsável pelo interrogatório era simplesmente assustadora e eu estava espera que a qualquer momento ela conseguisse perceber que eu estava a mentir e que tinha sido mesmo responsável pela morte do Theo.
Fui obrigada a reviver uma vez mais o que me tinha acontecido há quatro anos, expliquei o porquê de fugir para Espanha e quando ela finalmente me perguntou onde é que eu tinha estado no dia e entre a hora que tinha sido calculado que o Theo tinha morrido, dei a resposta que tinha preparada na ponta da língua.
O resto do grupo acabou também por ser interrogado sobre aquela noite e todos os dias ouvia os relatórios que o Clarke dava ao meu pai, a dizer que a investigação continuava mas que não tinham quaisquer provas de que eu tinha alguma coisa a ver com a morte do Theo e que por isso não havia motivos para preocupação.
Para ser sincera não sei se isso me deixou mais descansada ou mais preocupada; continuava a sentir um peso enorme pelo que tinha acontecido naquela noite e parte de mim achava que tinha de pagar por isso mas ao mesmo tempo lembrava-me do resto do grupo e de tudo o que eles tinham feito por mim, as consequências disso eram algo que eles não mereciam.
**
As coisas começaram a acalmar e deixei de ser chamada à esquadra para interrogatório apesar de segundo o Clarke, a polícia continuar à procura do responsável pela morte do Theo mas de ainda não estar perto o suficiente para chegar a alguma conclusão.
Aos poucos parecia que a minha vida estava a voltar ao normal e além de começar a conseguir dormir melhor, os pesadelos com o Theo também tinham começado a acalmar.
- Tens a certeza que queres ir?
- É só uma festa, pai. – apesar de continuar magoado pela mentira do meu pai, nas longas e difíceis semanas que se tinham passado tinha acabado por me voltar a aproximar bastante dele – Não vai acontecer nada. – forcei um sorriso e fiz uma prece rápida aos deuses para que me ouvissem; já tinha vivido problemas suficientes para uma única vida.
- Sabes que é impossível não me preocupar, sou teu pai. – beijei-lhe a bochecha e dei-lhe um abraço – Qualquer coisa liga-me.
Saí da embaixada e entrei no carro que a Meg conduzia. Tinha passado o dia demasiado calada mas com tudo o que nos tinha acontecido nos últimos tempos, não a julgava por ter um dia mau.
- Podes contar-me o que se passou, sabes disso não sabes?
Conhecia-a tão bem que assim que ela me sorriu, percebi que aquele sorriso não era nada sincero – Não te preocupes, Sky. Não aconteceu nada.
Não fazia a mínima ideia de quem era o rapaz que estava a dar aquela festa, sabia apenas que andava na mesma universidade de nós e que tinha convidado o Enzo, pelo que tínhamos acabado por ser todos convidados também.
Assim que entrámos naquela casa enorme que já estava cheia de adolescentes bêbados, procurei no meio da confusão pelo Enzo mas em vez disso encontrei a Lola.
- Sabes do Enzo?
A outra rapariga abanou a cabeça e entregou-me uma bebida – Ele andava por aí à tua procura mas depois deixei de o ver. – encolheu os ombros e juntou as sobrancelhas – A Meg?
Foi a minha vez de encolher os ombros – Desapareceu assim que chegámos. – respondi-lhe por cima do barulho da música que tocava aos berros pelas colunas espalhadas pela sala – Deve ter ido ter com o Santigo. E o que é que tu estás a fazer aqui sozinha?
- O Diego foi buscar bebidas. – mordi o lábio inferior quando a Lola agarrou na minha mão e puxou-me para mais perto dela – Como é que estás?
Nenhum de nós tinha voltado a falar daquela noite uma vez que o plano era fingir que nada tinha acontecido. As únicas palavras que tínhamos trocado assim que soubemos que íamos ser presentes a interrogatório foi que todos nós sabíamos o que tinha acontecido, e o que tinha acontecido era aquilo que tínhamos planeado, não o que tinha realmente ocorrido. Mesmo quando estávamos na embaixada a Meg nunca falava comigo sobre aquele assunto e com toda a confusão que se tinha gerado, tinha acabado por passar menos tempo com o Enzo, pelo que sempre que conseguíamos aproveitar um bocadinho para estarmos juntos, tentávamos não pensar naquilo. Sentia que apesar de tudo a Lola era a única que sentia o meu receio e aquela com quem podia desabafar.
Encolhi novamente os ombros e forcei-me a sorrir – Estou bem. Temos de seguir com a nossa vida, certo?
- Olá Sky. – sorri ao Diego assim que ele apareceu junto de nós – Queres que te traga alguma coisa?
Abanei a cabeça e mostrei o copo que a Lola me tinha dado – Já estou servida, obrigada. Bem, vou procurar o Enzo. Portem-se bem.
Afastei-me do casal e depois de acabar a bebida que a Lola me tinha entregado, pousei o copo vazio em cima de uma bancada que estava já cheia de vários copinhos vermelhos. Cada vez se tornava mais difícil estar naquele espaço há medida que iam chegando mais pessoas e ia havendo mais gente a dançar, concentradas naquele espaço.
Voltei a tentar encontrar o Enzo mas a confusão era muita e a pouca luminosidade dificultava essa acção. Estava prestes a desistir e a dirigir-me para o exterior da casa para apanhar algum ar quando o vi a subir as escadas para o andar superior. Demorei mais do que seria de esperar a segui-lo uma vez que tinha um mar de pessoas à minha frente e tive de passar pelo meio delas, pessoas que estavam tão embrenhadas a dançar que nem sequer se davam conta que eu tentava passar por elas.
Juntei as sobrancelhas assim que consegui finalmente chegar ao primeiro andar e não vi absolutamente ninguém. Podia ter-me enganado e não se ter tratado do Enzo mas já que ali estava ia ter a certeza disso.
- Merda. – murmurei quando abri a porta de um dos quartos e apanhei um casal aos beijos – Desculpem. – pedi antes de voltar a fechar a porta e fazer uma careta. Tendo perfeita noção do que podia apanhar assim que abrisse as outras portas, tentei fazê-lo com o máximo de cuidado, aproximando o ouvido da mesma antes de a abrir para ter a certeza que não apanhava ninguém no acto. Felizmente quando abri a porta seguinte o casal também estava apenas aos beijos apesar das mãos da rapariga estarem por dentro da camisola do rapaz e estar já a meio caminho de ser despida. Estava prestes a fechar a porta novamente quando percebi de quem era aquele corpo que me era bastante familiar – Enzo?
Ele afastou-se com enorme rapidez da rapariga e ficou em silêncio a olhar para mim enquanto puxava a camisola para baixo – Sky-
Abanei a cabeça, rindo para tentar conter as lágrimas – Poupa-me. – fechei a porta com força e afastei-me com passos rápidos em direção às escadas. Precisava de sair dali.
- Sky, preciso de falar contigo.
- Meg, agora não posso. – disse enquanto me tentava afastar dela e sair dali para fora. Todo aquele barulho, todas aquelas pessoas, todas as imagens do Enzo com outra estavam a deixar-me com falta de ar – Tenho de sair daqui.
- Preciso de falar contigo sobre o Enzo.
- Não precisas. Já o apanhei aos beijos com outra no andar de cima.
Parei quando a Meg me agarrou no braço – O quê? – a expressão dela era confusa mas eu não conseguia explicar mais nada naquele momento – Não é nada disso. O que eu te queria contar era outra coisa. Eu-
- Sky!
Olhei para trás da minha prima assim que vi o Enzo a descer apressadamente as escadas – Tenho de sair daqui. – disse à minha prima antes de recomeçar o caminho até à entrada da casa – Falamos depois.
Fechei os olhos com força assim que consegui finalmente sair para o ar fresco da noite mas rapidamente tive de voltar a abrir os olhos quando as imagens do Enzo a beijar outra rapariga me encheram os pensamentos.
Tinha confiado nele, tinha confiado nele em tantos aspetos mas devia ter previsto que as coisas não iam acabar com um final feliz. Era da minha vida que estávamos a falar afinal de contas.
- Sky! Por favor deixa-me explicar!
Parei de andar quando o meu braço foi novamente agarrado, desta vez pelo Enzo que me olhava com um ar arrependido – Não há nada para explicar. Deixa-me em paz. É mais do que óbvio que estamos melhor longe um do outro. – larguei-me do aperto dele e continuei a andar.
- Sky! – revirei os olhos quando fui novamente parada por ele – Aquela é a Laura. Foi uma estupidez, eu sou tão estúpido. – a Laura era a ex dele, aquela que lhe tinha partido o coração – Ela voltou a Espanha e veio falar comigo na festa… Eu- - ele abanou a cabeça enquanto tentava arranjar maneira de formar frases com sentido – Acho que queria ter a certeza que já não sentia absolutamente nada por ela mas foi uma estupidez. Sky, foi um erro. Eu amo-te.
- Amar alguém não devia ser assim tão difícil. Nem devia ter assim tantos problemas. Estamos melhor afastados. – a minha voz saiu completamente segura e por segundos fiquei a pensar se aquilo seria mesmo verdade mas assim que senti como se me estivessem a arrancar o coração, percebi que aquilo era uma grande mentira – Adeus Enzo.
- Sky, não! Espera!
Ignorei-o e caminhei em passo acelerado em direção ao carro que a Meg tinha trazido; ela podia muito bem apanhar boleia com o Santiago ou com a Lola.
Os meus pensamentos estavam uma enorme confusão e estava a fazer um esforço descomunal para conter as lágrimas que teimavam em cair pelas minhas bochechas enquanto continuava a caminhar rapidamente de forma a manter o máximo de distância possível entre mim e o Enzo.
O que se passou a seguir aconteceu demasiado depressa para eu conseguir processar. Num momento estava a atravessar a estrada e no outro senti o embate a repercutir por todo o meu corpo, deixando-me sem ar enquanto a minha mente se inundava de imagens de momentos que já tinha vivido.
- Tiraste-me o Theo. Não mereces viver, cabra.
Foi a última coisa que ouvi antes de se tornar tudo negro.
Não conseguia dormir. Já tinha perdido a noção das horas que eram mas continuava sem conseguir deixar-me levar pelo sono. Sempre que fechava os olhos voltava a ser inundada por imagens do que tinha acontecido, imagens do Theo imóvel e morto no chão da sala de estar.
Depois da festa em casa do Martin onde tínhamos conseguido cumprir o nosso objetivo, tínhamos acabado por voltar todos para casa dos Suarez e uma vez que a mãe deles já tinha saído novamente para trabalhar, estávamos apenas nós.
Mordi o lábio inferior com força e virei a cara para o lado, observando o ar descontraído do Enzo enquanto dormia. Senti as lágrimas picarem-me os olhos e apesar de continuar a dormir ferrado, como se soubesse que eu estava a sentir-me cada vez pior, os braços do Enzo rodearam o meu corpo com mais força enquanto me puxava melhor contra o seu peito. Ele era capaz de me fazer sentir segura do mundo exterior e já tinha mesmo conseguido salvar-me de uma situação dramática, o problema é que o Enzo podia ser muito bom a salvar-me dos problemas que surgiam na minha vida, mas não ia ser capaz de me salvar dos meus próprios pensamentos.
O Theo. Morto. Na minha sala de estar. O corpo do Theo. Algures. Comporta-te como se nada tivesse acontecido. Por mais que tentasse, não conseguia.
Continuava sem conseguir adormecer por mais que me esforçasse por o fazer e a verdade é que depois dos primeiros segundos de olhos fechados, tinha mesmo acabado por desistir.
Lembrava-me perfeitamente da sensação pela qual tinha passado depois daquela semana enclausurada no porão do Theo, como me sentia claustrofóbica e aterrorizada sempre que fechava os olhos e o meu cérebro parecia assumir que eu ainda me encontrava lá, mesmo quando estava apenas deitada na minha própria cama. E sabia perfeitamente que agora ia acontecer o mesmo; sabia que sempre que fechasse os olhos ia vê-lo morto, a sua expressão de choque e a inocência, a mesma inocência que me tinha levado a apaixonar-me por ele.
Mantive o meu olhar fixo da janela que se encontrava bastante próxima de mim e fui seguindo o percurso do sol ao longo da manhã.
Assim que senti o Enzo remexer-se mais na cama, dando-me sinal de que ele estava a acordar, fechei os olhos e fingi estar a dormir. Não conseguia falar com ele nem responder às suas perguntas; ele já tinha tentando acalmar-me e nada do que ele tinha dito, prometido ou feito tinha tido o efeito desejado e a última coisa que queria era repetir aquela conversa naquele momento nem o queria preocupar.
Tentei manter a farsa e parecer o mais adormecida possível quando senti a cama a afundar mais perto do meu corpo e soube que ele se ia inclinar na minha direção. Os lábios do Enzo roçaram ao de leve no meu braço despido antes de subirem para me beijar a bochecha, levantando-se da cama de seguida.
O meu coração batia agora mais depressa mas mantive os olhos fechados enquanto ouvia os seus passos lentos e cuidados no chão de madeira, a afastar-se da sua cama e aproximar-se da cama do irmão.
- Santiago. Tiago. Temos de ir. – murmurou ele num tom baixo obviamente para não me acordar nem à Meg que dormia na cama do namorado.
- Estou a ir. – foi a resposta do mais velho e a última frase que ouvi trocarem antes de ambos saírem do quarto e voltarem a encher aquele espaço do mesmo silêncio horrível.
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- Bom dia. – desviei o olhar da televisão assim que ouvi a voz da Meg atrás de mim e como não lhe respondi, ela aproximou-se do sofá e sentou-se ao meu lado – Como te sentes?
- Como acho que se sente qualquer pessoa que assistiu à morte de uma pessoa na noite anterior. – atirei a resposta sem conseguir controlar-me – Como é que achas que me sinto? Como é que tu te sentes? Parece que sou a única aqui a dar em maluca com tudo o que aconteceu.
Ela suspirou e deixou cair a cabeça no encosto do sofá – Claro que não me sinto bem, Sky. Sei perfeitamente o que é que aconteceu ontem à noite e não estou bem com isso mas era o Theo. Não era nenhuma pessoa inocente que não merecia que algo assim acontecesse, foi o Theo. – a Meg voltou a suspirar, mantendo o seu olhar preso no meu – Nós tentámos a via legal, o que resultou num curto período de tempo mas e depois? Ele voltou por ti, voltou para te levar e sabe-se lá que mais é que iria fazer? Desta forma… - a voz dela sofreu um corte – Desta forma sabemos que ele não pode voltar para te magoar, ou magoar quem quer que seja. E é por isso que não estou assim tão alterada com o que se passou.
Abanei a cabeça e afastei o olhar; não conseguia perceber como é que ela pensava aquilo. Sim, tinha de admitir que me sentia ligeiramente mais descontraída agora que sabia que o Theo não podia voltar para me magoar mas mesmo assim, sempre que me lembrava que isso se devia ao facto de ele estar morto, rapidamente sentia a minha barriga novamente às voltas.
- Mesmo assim, aquilo que fizemos está errado e não sei se consigo viver com isso.
- Temos de viver com isso. – olhei novamente por cima do meu ombro assim que desta vez ouvi a voz da Lola vinda do fundo das escadas – Não consigo parar de pensar no que aconteceu mas a Meg tem razão, ele era uma pessoa má e teve aquilo que merecia. – voltei a abanar a cabeça e apenas desviei novamente o olhar em direção à Lola quando senti a sua mão pousada na minha – O Enzo fez isto tudo por ti e o Santiago também está envolvido em tudo. Os meus irmãos estão envolvidos nisto, Sky. Por ti. – mordi o lábio inferior com força, pronta para atirar que eu não tinha pedido por nada daquilo mas ela tinha razão, estavam todos envolvidos naquela situação por causa de mim – Os meus irmãos não podem arranjar mais problemas… Não sei o que seria da minha mãe se voltássemos a passar por outra situação semelhante… E o Diego… - agora nada do que ela dizia fazia sentido mas o seu ar aterrorizado não me dava azo a fazer qualquer pergunta – Se algum deles foi apanhado vão dizer que não havia mais ninguém envolvido no que aconteceu. Ou vão juntar-se os três e dizer que eram os únicos envolvidos no que se passou… Eles é que vão sofrer as consequências para que não nos aconteça nada e tudo por alguém que merecia sofrer por tudo o que fez.
Tinha a garganta seca e sentia o olhar das duas raparigas posto em mim. Depois de ouvir o que elas pensavam sobre a noite anterior, conseguia entender os motivos de ambas para levarem a morte do Theo como um acontecimento mais banal mas ainda assim, para mim tudo isto era demasiado, era demasiado para levar os meus dias como se aquela noite não tivesse acontecido. Tinha morrido uma pessoa e o problema, é que mesmo que fosse alguém que me aterrorizava durante todos os dias da minha vida, não sabia se ia conseguir superar e viver com isso.
- O Theo podia merecer o que lhe aconteceu mas isso não muda o facto de estarmos todos ligados a isso para o resto das nossas vidas. E eu não sei como é que vou viver o resto da minha sempre com a morte dele a pesar-me na consciência.
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Os rapazes continuaram sem aparecer e estar trancada em casa dos Suarez estava a deixar-me maluca pelo que decidi ir até à embaixada para ver a Taylor e tentar afastar toda a noite anterior do meu pensamento. Não sei se foi por ter também saudades da família ou se estava com medo que eu dissesse alguma coisa mas a Meg acabou por também se despedir da Lola e vir comigo.
Depois de cumprimentarmos a Jacinta à entrada da embaixada, subimos para a zona dos quartos onde ela nos tinha dito que estaria a Taylor mas antes de conseguirmos chegar ao nosso destino, fomos interceptadas pelo meu pai.
- Sky.
- Não quero falar contigo. – disse imediatamente, tentando passar por ele de seguida. Ainda estava magoada com ele pelo que me tinha escondido todo este tempo e com tudo o que tinha na cabeça naquele momento, a última coisa que queria era falar com ele.
- Temos de falar. – parei apenas porque fui obrigada a isso graças à sua mão a prender o meu braço. A Meg mantinha-se em silêncio atrás de mim – Conheces alguma Nora?
Juntei as sobrancelhas, confusa com aquela pergunta e com o facto de aquilo ser o seu tema tão importante. Olhei novamente por cima do meu ombro em direção à minha prima que abanou a cabeça em resposta à pergunta do meu pai.
- Não, não conheço nenhuma Nora. – respondi segura.
- Tens a certeza?
- Tenho. A mentirosa aqui não sou eu. – atirei em resposta mas rapidamente me arrependi assim que a imagem do Theo me surgiu na cabeça – Quem é a Nora?
- O Clarke está na esquadra. – o Clarke era um dos homens de confiança do meu pai, aquele em quem ele mais confiava para resolver os problemas mais difíceis e aqueles que tinham de passar o mais despercebidos possível. Era um ex-SEAL e tinha bastante conhecimento judicial, por isso era basicamente o melhor amigo do meu pai, a arma de ataque que ele usava quando não havia mais nenhuma alternativa – Essa rapariga, a Nora, diz que o namorado desapareceu.
Estava cada vez mais confusa com toda aquela conversa – O namorado? – repeti – E o que é que eu tenho a ver com isso?
O meu pai assentiu com a cabeça e suspirou, levando a que o seu olhar frio desaparecesse para dar lugar àquele seu olhar de pai, de preocupação e carinho.
- Ela diz que o namorado dela é o Theo e diz que se ele está desaparecido é porque tu lhe fizeste alguma coisa.
O tempo ia passando e ainda assim sentia que os meus pensamentos estavam longe de acalmarem. Por isso mesmo é que continuava sentada no tampo da sanita enquanto a Meg passava uma toalha molhada pelo meu rosto e braços que eu sabia estarem cobertos de sangue apesar de ainda não ter olhado para eles.
- Tens de despir essa roupa.
Abanei a cabeça sem fazer qualquer outro movimento – Temos de chamar a polícia. – murmurei mantendo o meu olhar fixo no vazio – Precisamos de lhes dizer o que se passou.
A Meg abriu a boca mas foi interrompida por uma batida na porta. Dei um salto ao ser apanhada desprevenida e naquele momento percebi que a partir daquele dia ia sempre assustar-me com qualquer coisa que me apanhasse de surpresa.
A Lola abriu lentamente a porta – Trouxe-te umas roupas lavadas. – olhei para as peças de roupa que ela tinha na mão e voltei a olhar para a Meg à espera de apoio – O Enzo disse que temos de queimar essas roupas. – voltei a desviar o olhar para ela – O Enzo está a tratar de tudo.
- O Enzo tem de chamar a polícia. – foi a única coisa que me ocorreu dizer. O Theo tinha entrado à força na minha casa, tinha-me atacado e a morte dele tinha sido apenas em defesa pessoal; precisávamos de explicar isso à polícia mas parecia que ninguém estava a pensar seguir esse caminho.
- Ele não pode chamar a polícia. – murmurou a Lola – A arma não está registada… o Tiago não tem explicação para ter a arma e a polícia vai descobrir isso em três tempos. O Tiago ia acabar por ser preso… e ele não pode ir para a prisão.
- Qual é o plano então?
A minha expressão alterou-se para total surpresa assim que ouvi a minha prima – O plano? – repeti sentindo a minha garganta a apertar – Temos uma pessoa morta na minha sala de estar! Não há plano nenhum! – quase gritei – O plano é chamarmos a polícia e explicarmos tudo o que aconteceu. Esse é o plano!
- Sky, está tudo bem. – encontrei o olhar da minha prima assim que ela se voltou a aproximar de mim e colocou as mãos nos meus ombros; limitei-me a abanar a cabeça, não está nada bem, pensei para mim mesma – Vamos resolver isto, certo? – continuei a abanar a cabeça – Tens de despir essas roupas. Anda lá, eu ajudo-te.
Depois de a Meg me ajudar a despir aquelas roupas ensanguentadas, a Lola levou-as com ela e eu fui enfiada dentro da banheira para retirar os restos de sangue que ainda tinha na minha pele. Não conseguia perceber como é que parecia que eu era a única que não achava aquela situação normal; os meus pensamentos não faziam qualquer sentido e limitava-me a seguir as indicações da minha prima.
Não sabia precisar quanto tempo é que tínhamos estado fechadas naquela casa de banho, mas assim que voltámos para a sala onde se encontrava o resto do grupo, parecia que nada tinha acontecido naquela divisão. O corpo do Theo já não estava estendido no chão, não havia qualquer mancha de sangue no chão de mármore e a ligeira desarrumação da sala era quase idêntica àquela que tínhamos feito antes de eles saírem para ir às compras.
- Tens a certeza que é isso que temos de fazer?
- Já te disse que sim. Queimamos o corpo para tirar vestígios nossos e depois vemo-nos livre dele. Vamos deixa-lo no rio.
Por momentos pensei que tudo aquilo não tinha passado de um pesadelo. Por momentos ponderei mesmo que depois de eles saírem para ir às compras eu tinha adormecido no sofá e isto não passava tudo de um pesadelo mas assim que ouvi a conversa entre o Tiago e o Enzo, percebi que o pesadelo era aquilo que eu estava a viver.
- Precisamos de um álibi. – o Diego parecia o mais nervoso dos três rapazes – Se alguém der pela falta dele vão longo pensar na Sky por causa do passado deles. Precisamos de um álibi para esta noite.
- O Martin ia dar uma festa. Ele convidou-me a mim e à Sky. Podemos ir à festa dele.
O Enzo assentiu com a cabeça – Sim, quanto mais gente nos vir melhor. – mantive o meu olhar fixo no local onde o corpo do Theo tinha estado e levantei-o apenas quando o Enzo se aproximou de mim – Sky? Vamos resolver isto, está bem? – lá estavam eles a falar comigo como se eu fosse uma criança e a falar de toda aquela situação como se tivéssemos acabado de atropelar um animal em vez de termos morto alguém na minha sala de estar – Vocês ficam com ela enquanto nós tratamos de tudo. Assim que voltarmos estejam prontas para sair.
Estiquei a mão e prendi o pulso dele, impedindo-o de se afastar e seguir o Tiago e o Diego para fora de casa – Enzo? – naquele momento não conseguia formar uma pergunta decente por isso limitei-me por proferir o seu nome.
As mãos do Enzo agarraram na minha cara, obrigando-me a fixar o meu olhar nos seus olhos – Vai ficar tudo bem. – continuavam a repetir aquela frase mas para mim isso não a tornava mais verdade.
Não consegui dizer nada e também não consegui fazer nada, limitando-me a segui-lo com o olhar enquanto o via a sair porta fora.
**
A hora que se seguiu passou dolorosamente devagar. Limitei-me a ficar sentada no sofá, agarrada às minhas pernas a olhar para o espaço onde o corpo imóvel do meu ex-namorado tinha estado enquanto a minha prima e a Lola iam limpando o mesmo e andavam de um lado para o outro a tentar limpar quaisquer vestígios da presença do Theo ali em casa.
Os três telemóveis estavam desligados e apesar de eu não perceber como é que era suposto falarmos com qualquer um dos rapazes caso acontecesse alguma coisa, também não o disse em voz alta. Continuava a parecer que eu era a única que não sabia como reagir à situação em que nos encontrávamos e por isso limitei-me a fazer o que me era dito.
Desviei o olhar assim que ouvi a porta de casa a bater e só quando soltei o ar é que percebi que tinha estado a conter a respiração. O Enzo e o resto dos rapazes estavam de volta e apesar de terem um ar cansado, ninguém diria que tinham acabado de se ver livres de um corpo. Estás uma autêntica comediante.
- Estão prontas para sair?
O olhar da Meg e da Lola fazia prever que elas queriam saber o que é que tinha acontecido no tempo em que nos tinham deixado sozinhas, mas nenhuma delas parecia ter coragem para colocar a pergunta em voz alta e não era eu que a ia fazer. Eu não queria saber. Eu não queria saber de nada. Eu só queria que a minha vida voltasse ao momento antes de tudo isto ter acontecido, só queria isso.
As motas do Santiago e do Diego afastaram-se, deixando-me a mim e ao Enzo para trás. Mordi o meu lábio inferior com força quando me vi sozinha com ele; sabia que ele era incapaz de me fazer mal mas ainda assim parecia que já não me sentia tão segura com ele como antes.
- Não me deixaste ir embora. – murmurei e apesar de não estar a olhar para ele sabia que o Enzo tinha o olhar fixo em mim – Não me deixaste ir embora porque o querias matar. Sempre foi esse o plano? E o Santiago… vocês estavam a falar… ele disse que tu não tinhas de levar com os pecados dele. O que é que isso significa?
O Enzo voltou a puxar-me para mim e sentir os braços dele à volta do meu corpo deixou-me ligeiramente mais calma – Não havia plano nenhum, Sky. Tratámos de um assunto que não tinha boas soluções e agora temos de seguir com as nossas vidas. – abri a boca para falar mas ele não me deixou fazê-lo – Qual era a opção? Chamar a polícia? A ordem de afastamento que tens contra ele não resulta e ele ia acabar voltar a sair da prisão e vir atrás de ti. A outra opção era ficares fechada algures com segurança a toda a hora. Nenhuma dessas opções eram válidas. Ele já não te pode magoar mais agora.
- Matámos uma pessoa. Viver com isto também não me parece uma opção válida.
- Vamos conseguir resolver isto, está bem? Confia em mim.
Queria muito poder acreditar que o que ele dizia era verdade mas não conseguia. A realidade é que por mais que tentes esquecer alguma coisa, há sempre algo que te faz recordar esse momento e não me parecia que fosse assim tão fácil esquecer que tinha assistido à morte de alguém e a tudo o que estávamos a fazer depois disso. Simplesmente parecia-me impossível e muito mais difícil do que todos eles pareciam achar.
Subi para a mota depois do Enzo o fazer e agarrei-me com força a ele. Assim que a mota arrancou, fechei os olhos e tentei imaginar que aquela era uma das nossas viagens normais, que era apenas eu e ele num passeio por Madrid. Os primeiros cinco segundos de tentativa correram muito bem até a minha cabeça se encher de imagens do que se tinha passado na sala de estar: o Theo a vir na minha direção e o Santiago a disparar a arma.
Nunca ia conseguir afastar aquelas imagens da cabeça, não interessava o que é que eles diziam.
A casa do Martin estava apinhada de gente e assim que entrámos na mesma separamo-nos todos. Andámos pelo meio da multidão, dando encontrões propositados e falando com o maior número de pessoas que conhecíamos para termos a certeza que éramos vistos por toda a gente.
- Martin! – fiz o meu melhor esforço para tentar soar o mais natural possível assim que o vi – Vamos tirar uma fotografia. – a Meg e a Lola ficaram alguns segundos a olhar para mim apanhadas de surpresa antes de perceberem o que eu estava a fazer e sorrirem para se juntar à fotografia.
Fiz o meu maior esforço para seguir o plano deles e tentar parecer o mais normal possível mas rapidamente voltei a ser assolada pelo pânico do que tinha acontecido algumas horas atrás. Andei às voltas no quarto onde me tinha fechado e apenas parei quando a porta se abriu e vi o Enzo atravessar a mesma.
- Não sei se consigo fazer isto. – levei as mãos aos cabelos e apertei os mesmos com força – Matámos uma pessoa, Enzo. Não consigo fazer isto.
Os braços do Enzo rodearam o meu corpo uma vez mais naquela noite enquanto o seu queixo estava apoiado no alto da minha cabeça.
- Shh. Estou aqui para ti, está bem? Vamos conseguir resolver isto e vai correr tudo bem.
- Enzo-
- Confia em mim, Sky. Não havia mais nada que pudéssemos fazer e agora o melhor que temos a fazer é esquecer que aconteceu. Estamos todos juntos nisto e podemos ajudar-nos uns aos outros a lidar com a situação. Passaste todo este tempo a querer pôr o passado para trás das costas e fugir do Theo, finalmente consegues fazê-lo. Só isso é que importa.
- Não sei se consigo fazer isso. – murmurei num tom abafado por ter a cara praticamente colada à camisola dele.
O Enzo abanou a cabeça e afastou-me ligeiramente dele de forma a permitir que os nossos olhares se encontrassem novamente. Só quando ele passou os dedos pelas minhas bochechas é que percebi que estava a chorar.
- Estamos juntos nisto, Sky. Já está feito e agora não podemos fazer nada para o alterar. Precisamos de nos manter unidos, certo? Vai correr tudo bem, prometo.
- Não podes prometer isso. – murmurei sendo a minha vez de limpar as lágrimas que teimavam em cair.
- Vou fazer de tudo para cumprir essa promessa. Posso prometer-te isso. Temos de voltar lá para baixo, precisamos de ter a certeza que a maior parte das pessoas nos vê e depois vamos embora, está bem? – limitei-me a assentir com a cabeça antes de o seguir.