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Coloquei-me ao lado do Enzo enquanto ele abria uma das gavetas da cómoda de madeira que tinha no quarto, onde estava pousada a televisão, e esperei que ele desse a volta a quase toda a roupa que tinha naquele sítio até encontrar uma camisola que parecia ser boa o suficiente para ele me emprestar. Quando agarrei na peça de roupa só precisei de dois segundos para lha atirar de volta.
- Não vou vestir uma camisola transparente, isso era o que tu querias. – a camisola preta era tão fina que sabia que assim que a vestisse ia ser possível observar a minha roupa interior através do tecido e isso era algo que eu queria evitar estando ali sozinha com o Enzo.
- E eu a pensar que ias adorar essa. – disse ele fingindo um ar surpreendido – Toma lá esta.
Agarrei na nova peça de roupa e depois de a avaliar e constatar que não haviam ali também segundas intenções, levantei o olhar novamente para o Enzo – Casa de banho?
- Última porta à esquerda.
Saí do quarto e dirigi-me até à casa de banho onde rapidamente troquei de roupa e vesti a camisola do Enzo. Aquela peça dava-me até uns cinco centímetros acima dos joelhos e ainda tive de dobrar duas vezes as mangas para ter as mãos livres. Não queria parecer bisbilhoteira ou mexer no que não me dizia respeito e por isso mesmo limitei-me a agarrar na pasta de dentes, colocar uma pequena porção no meu dedo e escovar assim muito primativamente os meus dentes. Lavei a cara, ajeitei o meu cabelo com os dedos e depois de fazer o meu xixi abandonei aquela divisão.
- Credo. – reclamei apertando as minhas roupas contra o peito quando abri a porta e me deparei com o Enzo parado no corredor apoiado à parede do mesmo à espera que eu saísse dali – Já podes ir.
Ele desencostou-se calmamente da parede e sorriu enquanto o seu olhar percorria o meu corpo de alto a baixo. Estando apenas com a camisola do Enzo vestida, que além de ser dele deixava praticamente toda a extensão das minhas pernas despidas, já era mau o suficiente mas sentir aquele olhar dele posto em mim fazia-me sentir como se estivesse apenas de roupa interior ou mesmo completamente despida.
Revirei os olhos e caminhei até ao quarto, parando antes de entrar no mesmo para olhar por cima do meu ombro para um Enzo vestido apenas com uma t-shirt preta e boxers da mesma cor.
Dobrei o melhor possível a minha roupa e pousei-a junto ao resto das minhas coisas que se encontravam em cima da secretária. Como queria evitar voltar a sentir aquele olhar do Enzo em mim devido às minhas roupas ou melhor, falta delas, enfiei-me rapidamente na cama dele.
Aquilo estava longe de parecer boa ideia, eu já sabia disso mesmo quando foi sugerido mas a opção era ir até à universidade, sozinha porque o Enzo tinha deixado claro que não ia sair de casa para me levar quando eu podia ficar ali com ele e caso não morresse ou fosse assaltada pelo caminho, ia ter de partilhar o quarto com o Santiago e a Megan, o que já era assustador de dia quanto mais de noite. Puxei os lençóis para cima de mim e mordi o meu lábio inferior com força ao sentir o cheiro do Enzo nos mesmos. Aquilo era mesmo uma péssima ideia.
- Confortável? – perguntou ele a sorrir, para variar, assim que entrou no quarto – Se precisares de alguma coisa chama, eu tenho o sono leve. – assenti com a cabeça, apoiada nos cotovelos para o conseguir ver a dirigir-se até à outra cama do quarto e afastar a roupa da mesma para se deitar – Já tenho o despertador para amanhã por isso não te preocupes com isso.
Estiquei a minha mão até ao meu telemóvel que se encontrava pousado na mesinha de cabeceira e depois de confirmar que não tinha qualquer mensagem ou chamada não atendida, claro que não tinha, assim que ficava nos braços do Santiago a Megan tornava-se morta tecnologicamente, carreguei no “não incomodar” de maneira a não acordar durante a noite.
- Então se está tudo, boa noite. – desejei antes de me voltar a ajeitar na cama, sentindo novamente o cheiro do Enzo a preencher as minhas narinas.
- Dorme bem. – foi a resposta dele e não era preciso estar a olhar para ele para saber que estava a sorrir e a adorar tudo o que se estava a passar.
A luz apagou-se e o quarto ficou completamente em silêncio e às escuras. Voltei a morder o meu lábio inferior e tentei ficar o mais sossegada possível de forma a chamar o sono e tentar adormecer o que claro, estava longe de acontecer com grande rapidez uma vez que estava no mesmo quarto que o Enzo, que apesar de estar na outra ponta da divisão parecia que estava ali mesmo ao meu lado já que os lençóis estavam impregnados com o seu cheiro e só o pensamento de que ele dormia ali todas as noites também se vinha juntar à festa.
Levantei-me de um salto quando ouvi um barulho bastante forte vindo do lado de fora – O que foi isto? – perguntei apesar de já saber perfeitamente o que é que era e o facto de saber a resposta não me deixava mais calma, muito pelo contrário.
- Trovões. – a voz do Enzo soou abafada o que me fez pensar que ele estaria virado para a parede – Dorme.
- Não consigo. – respondi e ouvi a outra cama a fazer barulho enquanto o Enzo se mexia na mesma e se virava para mim – Odeio trovões, relâmpagos, essas coisas.
- Ou seja tens medo.
- Como queiras. – respondi irritada; era um medo infantil mas a verdade é que nunca tinha gostado daquilo principalmente depois das grandes tempestades que tinham havido quando eu tinha uns quatro anos e os trovões pareciam tão perto da minha casa que me escondi debaixo da cama cheia de medo. Agora com vinte anos não me escondia debaixo da cama mas o medo continuava. O barulho voltou a fazer-se ouvir e eu encolhi-me automaticamente – Credo. Odeio isto. – murmurei para mim própria.
- Só mesmo tu para teres medo de trovoadas princesa. Acende a luz.
Estiquei novamente o braço para a mesa-de-cabeceira mas desta vez para ligar o candeeiro que ali se encontrava. Voltei a desviar o olhar para a cama onde o Enzo estava deitado, ou melhor, tinha estado deitado e juntei as sobrancelhas quando o vi a levantar-se da mesma.
- Onde é que vais?
- Para a minha cama. – respondeu como se aquela tivesse sido a pergunta mais estúpida do mundo.
- Mas eu estou na tua cama.
- Eu sei que estás mas também estás com medo dos trovões. – voltei a encolher-me quando o barulho se tornou a fazer ouvir – Lá está. Não vou passar a noite toda a ouvir-te chorar por causa da trovoada.
- Não vou chorar. – revirei os olhos e apressei-me a olhar para o Enzo assim que ele se encontrou bastante perto da cama onde eu estava – E se vamos fazer isto quero que fique explícito que mantemos o padrão da amizade; nada de tocar onde não deves e nada de te aproveitares.
Ele levantou os braços em forma de rendição antes de agarrar nos lençóis e levantar os mesmos – Está bem; agora chega-te para lá. – assim que me encostei à parede para lhe dar espaço na cama, ele deitou-se na mesma e fez uma careta – Este é outro dos motivos de eu não trazer raparigas cá para casa, a cama é demasiado pequena para dois.
- Espera. – juntei as sobrancelhas enquanto o olhava – Estás a dizer-me que é a primeira vez que partilhas a tua cama com alguém? – perguntei bastante desconfiava e apanhada de surpresa.
- Não, já a partilhei com a Lola quando éramos pequenos. E houve uma festa de anos em que também partilhei-a com o Diego; tínhamos uns seis anos. O que estou a dizer é que é a primeira vez que partilho a cama com uma rapariga adulta.
- Nem com a rapariga com quem tiveste uma relação séria? – perguntei lembrando-me da conversa que tínhamos tido na pizzaria – Porque é que isso me parece difícil de acreditar?
- Digamos que ela não era grande fã de tudo isto. – olhei para ele agora com uma expressão confusa – Éramos muito diferentes; ela tinha dinheiro, eu não; ela vivia numa mansão e eu vivia aqui. A minha casa nunca foi um dos destinos de sonho.
- Bem então ela é uma idiota porque tens aqui uma óptima casa. – disse com um pequeno sorriso nos lábios.
- Não precisas de ficar toda sentimental. – deitei a língua de fora ao Enzo e apercebi-me que com aquela conversa tinha deixado de prestar atenção aos trovões que continuavam lá fora – Deita-te, vou apagar a luz.
Assim que fiz aquilo que ele me tinha dito, o quarto voltou a ficar às escuras. Estávamos deitados de lado e virados um para o outro. Sentia a respiração do Enzo na minha cara e sabia que ele sentia também a minha. Era estranho e assustador estar ali assim com ele por vários motivos sendo os principais o facto de já há muito tempo que eu não estava deitada na mesma cama que um membro do sexo masculino e outro motivo ser eu estar tão próxima do Enzo quando sabia perfeitamente que se devia de estar assim com alguém seria com o Martin. Mas então porque é que eu não me estava a sentir assim tão mal?
- O que é que aconteceu para teres tanto medo de trovoadas?
Suspirei assim que os meus pensamentos foram afastados do dilema de estar a partilhar a cama com o Enzo para a resposta àquela pergunta dele – Tinha quatro anos quando assisti à pior tempestade da minha vida. A nossa casa ficava num sítio com menos casas e mais espaço por isso aquilo parecia o fim do mundo. – há anos que não falava daquilo a ninguém, tinha deixado de contar a história ao perceber que só fazia com que as pessoas me olhassem ainda com mais pena e dissessem “lamento muito” como se isso tivesse alguma importância – A minha mãe estava a vir do trabalho para casa nessa noite quando o carro se despenhou contra uma árvore e ela morreu. Não interessa que idade tenha mas sempre que há trovoada parece que revivo aquela noite. Agora até estou melhor mas mesmo assim, é uma sensação horrível.
- A partir de hoje podes associar as noites de trovoada a mim e relembrar que além de ser a primeira vez que dormimos juntos, é a primeira vez que me encolho na minha cama de livre vontade para te dar espaço.
Aquele dia estava a ser deveras estranho; tinha conversado com o Enzo como nunca tínhamos falado e até lhe tinha contado algumas coisas que muita pouca gente sabia, inclusive pessoas de quem eu gostava mesmo. Sorri quando consegui afastar os meus pensamentos da trovoada que continuava lá fora e que agora não parecia tão assustadora como antes e também pelo facto da minha irritação pelo Enzo ter-se tornado ligeiramente menor. Sabia perfeitamente que ele não estava a partilhar a cama comigo apenas pelo seu coração bondoso mas mesmo assim tinha de confessar que as coisas estavam levemente melhores entre nós.
- Vou tentar lembrar-me disso.
Aproximei-me dele, o que confesso que não foi propriamente uma boa ideia mas digamos que naquele momento os meus pensamentos estavam um pouco fora do sítio com a tempestade e todo aquele dia de conversas e confissões, com o objetivo de lhe beijar a bochecha o que devido à falta de claridade no quarto foi um pouco mais difícil do que seria de esperar. Estava apenas a milímetros da cara do Enzo e sabia que se me chegasse para a frente naquele momento os nossos lábios se iam tocar. Conseguia ouvir o meu coração a bater forte nos meus ouvidos e tentei ao máximo que a minha respiração se mantivesse calma e constante ao mesmo tempo que tentava afastar todos os pensamentos que decidiram passar-me pela cabeça naquele momento. Desviei a cara antes que aquela proximidade se mantivesse e acontecesse mesmo alguma coisa e beijei-lhe a bochecha, quer dizer seria a bochecha mas a verdade é que o beijo foi dado mais próximo da boca do Enzo do que na bochecha dele.
- Dorme bem princesa. – foi a última coisa que ele disse antes do quarto voltar a mergulhar no silêncio.
Deixei-me estar deitada de lado, virada para ele com o Enzo ainda virado para mim e fechei os olhos numa tentativa vã de esquecer o que tinha acabado de acontecer e adormecer. Parecia completamente impossível com os trovões a fazerem um barulho descomunal do lado de fora, a respiração do Enzo contra a minha cara e o facto de apesar de os nossos corpos não se tocarem, eu saber que ele não estava a mais de cinco centímetros de distância. Não sei como aconteceu mas lá acabei por conseguir adormecer.
Acho que já quase ninguém lê a história por aqui mas não me custa nada publicar e nunca se sabe se não haverá alguém que ainda venha ler.
Espero que estejam a gostar da história c: beijinhos!