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Nunca tinha achado que aquele plano era boa ideia; tinha sempre defendido que devíamos ter chamado a polícia depois da morte do Theo, explicar toda a situação e resolvê-la de uma vez por todas. Isso não tinha acontecido e agora cada vez mais me arrependia de não me ter conseguido acalmar, ter a cabeça fria e fazer aquilo que era necessário, o que era basicamente o contrário do que tínhamos feito.
O aparecimento da Nora tinha feito com que o plano de fingir que nada tinha acontecido fosse por água abaixo. À polícia ela disse que o Theo estava desaparecido e que tal se devia a algo que eu lhe tivesse feito mas sem provas não me podiam fazer nada, foi o que o Clarke nos explicou.
Ainda assim a Nora não desistiu de meter as culpas para mim e quando o Theo foi oficialmente dado como desaparecido, a polícia começou à procura dele. Claro que o tratavam como fugitivo ou raptado mas eu sabia que não ia demorar muito até começarem à procura dos suspeitos da sua morte.
As duas semanas que se seguiram estão no top 5 das piores da minha vida. Novamente o plano era fingir que nada tinha acontecido naquela noite; caso alguém nos perguntasse, tínhamos ido até à antiga casa dos meus pais para passar o fim-de-semana e tínhamos ido à festa do Martin, onde toda a gente nos tinha visto e podia confirmá-lo.
As buscas da polícia continuaram pelo Theo continuaram mas não havia sinal dele e se isso continuasse, ele ia ser colocado na lista de pessoas desaparecidas. Tudo bem para nós. Mas claro que isso não aconteceu.
Quando estava finalmente a conseguir acalmar o nervoso miudinho que sentia desde aquela noite, quando estava finalmente a conseguir dormir melhor e a ponderar que afinal ia conseguir viver com aquilo que tínhamos feito, foi quando tudo descambou.
Começou com a reportagem no jornal da noite quando deram conta da descoberta de restos mortais; a jornalista continuou a falar mas depois daquelas primeiras palavras serem proferidas, os meus ouvidos começaram a zumbir e não consegui ouvir absolutamente mais nada. Na verdade não consegui fazer nada e a única coisa que me lembro foi da Meg a agarrar no telemóvel, de certeza a ligar para o Santiago.
Depois disso o Clarke voltou a falar comigo, com o meu pai e com a Meg, dizendo que estava em cima de tudo o que a polícia fazia e que não ia deixar absolutamente nada ao acaso. Claro que nenhum deles acreditava que eu tinha sido responsável pela morte do Theo e como era suposto fingir que aquela noite não tinha acontecido, eu nunca disse uma palavra que mostrasse o contrário.
Não consegui dormir mais do que um par de horas nas noites que se seguiram, enquanto aguardava que a polícia confirmasse que o cadáver se tratava do Theo e passava o tempo todo a olhar para a porta do meu quarto, à espera que a polícia entrasse por ali adentro para me levar algemada até à esquadra.
Isso não aconteceu mas depois de confirmarem que os restos mortais pertenciam ao Theo, fui chamada a interrogatório. O Clarke disse para não me preocupar, que se tratava apenas de um procedimento de rotina uma vez que eu tinha um passado com o Theo mas eu sabia que não era esse o único motivo, que o facto de a Nora ter andando a gritar aos sete ventos que se tinha passado alguma coisa com ele e que a culpa era minha, fazia agora com que eu parecesse muito culpada já que tinha mesmo acontecido alguma coisa com ele.
Estar naquela sala de interrogatório foi uma das experiências mais horríveis de sempre. Sentia-me ligeiramente mais segura com o Clarke ao meu lado mas ainda assim a agente responsável pelo interrogatório era simplesmente assustadora e eu estava espera que a qualquer momento ela conseguisse perceber que eu estava a mentir e que tinha sido mesmo responsável pela morte do Theo.
Fui obrigada a reviver uma vez mais o que me tinha acontecido há quatro anos, expliquei o porquê de fugir para Espanha e quando ela finalmente me perguntou onde é que eu tinha estado no dia e entre a hora que tinha sido calculado que o Theo tinha morrido, dei a resposta que tinha preparada na ponta da língua.
O resto do grupo acabou também por ser interrogado sobre aquela noite e todos os dias ouvia os relatórios que o Clarke dava ao meu pai, a dizer que a investigação continuava mas que não tinham quaisquer provas de que eu tinha alguma coisa a ver com a morte do Theo e que por isso não havia motivos para preocupação.
Para ser sincera não sei se isso me deixou mais descansada ou mais preocupada; continuava a sentir um peso enorme pelo que tinha acontecido naquela noite e parte de mim achava que tinha de pagar por isso mas ao mesmo tempo lembrava-me do resto do grupo e de tudo o que eles tinham feito por mim, as consequências disso eram algo que eles não mereciam.
**
As coisas começaram a acalmar e deixei de ser chamada à esquadra para interrogatório apesar de segundo o Clarke, a polícia continuar à procura do responsável pela morte do Theo mas de ainda não estar perto o suficiente para chegar a alguma conclusão.
Aos poucos parecia que a minha vida estava a voltar ao normal e além de começar a conseguir dormir melhor, os pesadelos com o Theo também tinham começado a acalmar.
- Tens a certeza que queres ir?
- É só uma festa, pai. – apesar de continuar magoado pela mentira do meu pai, nas longas e difíceis semanas que se tinham passado tinha acabado por me voltar a aproximar bastante dele – Não vai acontecer nada. – forcei um sorriso e fiz uma prece rápida aos deuses para que me ouvissem; já tinha vivido problemas suficientes para uma única vida.
- Sabes que é impossível não me preocupar, sou teu pai. – beijei-lhe a bochecha e dei-lhe um abraço – Qualquer coisa liga-me.
Saí da embaixada e entrei no carro que a Meg conduzia. Tinha passado o dia demasiado calada mas com tudo o que nos tinha acontecido nos últimos tempos, não a julgava por ter um dia mau.
- Podes contar-me o que se passou, sabes disso não sabes?
Conhecia-a tão bem que assim que ela me sorriu, percebi que aquele sorriso não era nada sincero – Não te preocupes, Sky. Não aconteceu nada.
Não fazia a mínima ideia de quem era o rapaz que estava a dar aquela festa, sabia apenas que andava na mesma universidade de nós e que tinha convidado o Enzo, pelo que tínhamos acabado por ser todos convidados também.
Assim que entrámos naquela casa enorme que já estava cheia de adolescentes bêbados, procurei no meio da confusão pelo Enzo mas em vez disso encontrei a Lola.
- Sabes do Enzo?
A outra rapariga abanou a cabeça e entregou-me uma bebida – Ele andava por aí à tua procura mas depois deixei de o ver. – encolheu os ombros e juntou as sobrancelhas – A Meg?
Foi a minha vez de encolher os ombros – Desapareceu assim que chegámos. – respondi-lhe por cima do barulho da música que tocava aos berros pelas colunas espalhadas pela sala – Deve ter ido ter com o Santigo. E o que é que tu estás a fazer aqui sozinha?
- O Diego foi buscar bebidas. – mordi o lábio inferior quando a Lola agarrou na minha mão e puxou-me para mais perto dela – Como é que estás?
Nenhum de nós tinha voltado a falar daquela noite uma vez que o plano era fingir que nada tinha acontecido. As únicas palavras que tínhamos trocado assim que soubemos que íamos ser presentes a interrogatório foi que todos nós sabíamos o que tinha acontecido, e o que tinha acontecido era aquilo que tínhamos planeado, não o que tinha realmente ocorrido. Mesmo quando estávamos na embaixada a Meg nunca falava comigo sobre aquele assunto e com toda a confusão que se tinha gerado, tinha acabado por passar menos tempo com o Enzo, pelo que sempre que conseguíamos aproveitar um bocadinho para estarmos juntos, tentávamos não pensar naquilo. Sentia que apesar de tudo a Lola era a única que sentia o meu receio e aquela com quem podia desabafar.
Encolhi novamente os ombros e forcei-me a sorrir – Estou bem. Temos de seguir com a nossa vida, certo?
- Olá Sky. – sorri ao Diego assim que ele apareceu junto de nós – Queres que te traga alguma coisa?
Abanei a cabeça e mostrei o copo que a Lola me tinha dado – Já estou servida, obrigada. Bem, vou procurar o Enzo. Portem-se bem.
Afastei-me do casal e depois de acabar a bebida que a Lola me tinha entregado, pousei o copo vazio em cima de uma bancada que estava já cheia de vários copinhos vermelhos. Cada vez se tornava mais difícil estar naquele espaço há medida que iam chegando mais pessoas e ia havendo mais gente a dançar, concentradas naquele espaço.
Voltei a tentar encontrar o Enzo mas a confusão era muita e a pouca luminosidade dificultava essa acção. Estava prestes a desistir e a dirigir-me para o exterior da casa para apanhar algum ar quando o vi a subir as escadas para o andar superior. Demorei mais do que seria de esperar a segui-lo uma vez que tinha um mar de pessoas à minha frente e tive de passar pelo meio delas, pessoas que estavam tão embrenhadas a dançar que nem sequer se davam conta que eu tentava passar por elas.
Juntei as sobrancelhas assim que consegui finalmente chegar ao primeiro andar e não vi absolutamente ninguém. Podia ter-me enganado e não se ter tratado do Enzo mas já que ali estava ia ter a certeza disso.
- Merda. – murmurei quando abri a porta de um dos quartos e apanhei um casal aos beijos – Desculpem. – pedi antes de voltar a fechar a porta e fazer uma careta. Tendo perfeita noção do que podia apanhar assim que abrisse as outras portas, tentei fazê-lo com o máximo de cuidado, aproximando o ouvido da mesma antes de a abrir para ter a certeza que não apanhava ninguém no acto. Felizmente quando abri a porta seguinte o casal também estava apenas aos beijos apesar das mãos da rapariga estarem por dentro da camisola do rapaz e estar já a meio caminho de ser despida. Estava prestes a fechar a porta novamente quando percebi de quem era aquele corpo que me era bastante familiar – Enzo?
Ele afastou-se com enorme rapidez da rapariga e ficou em silêncio a olhar para mim enquanto puxava a camisola para baixo – Sky-
Abanei a cabeça, rindo para tentar conter as lágrimas – Poupa-me. – fechei a porta com força e afastei-me com passos rápidos em direção às escadas. Precisava de sair dali.
- Sky, preciso de falar contigo.
- Meg, agora não posso. – disse enquanto me tentava afastar dela e sair dali para fora. Todo aquele barulho, todas aquelas pessoas, todas as imagens do Enzo com outra estavam a deixar-me com falta de ar – Tenho de sair daqui.
- Preciso de falar contigo sobre o Enzo.
- Não precisas. Já o apanhei aos beijos com outra no andar de cima.
Parei quando a Meg me agarrou no braço – O quê? – a expressão dela era confusa mas eu não conseguia explicar mais nada naquele momento – Não é nada disso. O que eu te queria contar era outra coisa. Eu-
- Sky!
Olhei para trás da minha prima assim que vi o Enzo a descer apressadamente as escadas – Tenho de sair daqui. – disse à minha prima antes de recomeçar o caminho até à entrada da casa – Falamos depois.
Fechei os olhos com força assim que consegui finalmente sair para o ar fresco da noite mas rapidamente tive de voltar a abrir os olhos quando as imagens do Enzo a beijar outra rapariga me encheram os pensamentos.
Tinha confiado nele, tinha confiado nele em tantos aspetos mas devia ter previsto que as coisas não iam acabar com um final feliz. Era da minha vida que estávamos a falar afinal de contas.
- Sky! Por favor deixa-me explicar!
Parei de andar quando o meu braço foi novamente agarrado, desta vez pelo Enzo que me olhava com um ar arrependido – Não há nada para explicar. Deixa-me em paz. É mais do que óbvio que estamos melhor longe um do outro. – larguei-me do aperto dele e continuei a andar.
- Sky! – revirei os olhos quando fui novamente parada por ele – Aquela é a Laura. Foi uma estupidez, eu sou tão estúpido. – a Laura era a ex dele, aquela que lhe tinha partido o coração – Ela voltou a Espanha e veio falar comigo na festa… Eu- - ele abanou a cabeça enquanto tentava arranjar maneira de formar frases com sentido – Acho que queria ter a certeza que já não sentia absolutamente nada por ela mas foi uma estupidez. Sky, foi um erro. Eu amo-te.
- Amar alguém não devia ser assim tão difícil. Nem devia ter assim tantos problemas. Estamos melhor afastados. – a minha voz saiu completamente segura e por segundos fiquei a pensar se aquilo seria mesmo verdade mas assim que senti como se me estivessem a arrancar o coração, percebi que aquilo era uma grande mentira – Adeus Enzo.
- Sky, não! Espera!
Ignorei-o e caminhei em passo acelerado em direção ao carro que a Meg tinha trazido; ela podia muito bem apanhar boleia com o Santiago ou com a Lola.
Os meus pensamentos estavam uma enorme confusão e estava a fazer um esforço descomunal para conter as lágrimas que teimavam em cair pelas minhas bochechas enquanto continuava a caminhar rapidamente de forma a manter o máximo de distância possível entre mim e o Enzo.
O que se passou a seguir aconteceu demasiado depressa para eu conseguir processar. Num momento estava a atravessar a estrada e no outro senti o embate a repercutir por todo o meu corpo, deixando-me sem ar enquanto a minha mente se inundava de imagens de momentos que já tinha vivido.
- Tiraste-me o Theo. Não mereces viver, cabra.
Foi a última coisa que ouvi antes de se tornar tudo negro.