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Não conseguia dormir. Já tinha perdido a noção das horas que eram mas continuava sem conseguir deixar-me levar pelo sono. Sempre que fechava os olhos voltava a ser inundada por imagens do que tinha acontecido, imagens do Theo imóvel e morto no chão da sala de estar.
Depois da festa em casa do Martin onde tínhamos conseguido cumprir o nosso objetivo, tínhamos acabado por voltar todos para casa dos Suarez e uma vez que a mãe deles já tinha saído novamente para trabalhar, estávamos apenas nós.
Mordi o lábio inferior com força e virei a cara para o lado, observando o ar descontraído do Enzo enquanto dormia. Senti as lágrimas picarem-me os olhos e apesar de continuar a dormir ferrado, como se soubesse que eu estava a sentir-me cada vez pior, os braços do Enzo rodearam o meu corpo com mais força enquanto me puxava melhor contra o seu peito. Ele era capaz de me fazer sentir segura do mundo exterior e já tinha mesmo conseguido salvar-me de uma situação dramática, o problema é que o Enzo podia ser muito bom a salvar-me dos problemas que surgiam na minha vida, mas não ia ser capaz de me salvar dos meus próprios pensamentos.
O Theo. Morto. Na minha sala de estar. O corpo do Theo. Algures. Comporta-te como se nada tivesse acontecido. Por mais que tentasse, não conseguia.
Continuava sem conseguir adormecer por mais que me esforçasse por o fazer e a verdade é que depois dos primeiros segundos de olhos fechados, tinha mesmo acabado por desistir.
Lembrava-me perfeitamente da sensação pela qual tinha passado depois daquela semana enclausurada no porão do Theo, como me sentia claustrofóbica e aterrorizada sempre que fechava os olhos e o meu cérebro parecia assumir que eu ainda me encontrava lá, mesmo quando estava apenas deitada na minha própria cama. E sabia perfeitamente que agora ia acontecer o mesmo; sabia que sempre que fechasse os olhos ia vê-lo morto, a sua expressão de choque e a inocência, a mesma inocência que me tinha levado a apaixonar-me por ele.
Mantive o meu olhar fixo da janela que se encontrava bastante próxima de mim e fui seguindo o percurso do sol ao longo da manhã.
Assim que senti o Enzo remexer-se mais na cama, dando-me sinal de que ele estava a acordar, fechei os olhos e fingi estar a dormir. Não conseguia falar com ele nem responder às suas perguntas; ele já tinha tentando acalmar-me e nada do que ele tinha dito, prometido ou feito tinha tido o efeito desejado e a última coisa que queria era repetir aquela conversa naquele momento nem o queria preocupar.
Tentei manter a farsa e parecer o mais adormecida possível quando senti a cama a afundar mais perto do meu corpo e soube que ele se ia inclinar na minha direção. Os lábios do Enzo roçaram ao de leve no meu braço despido antes de subirem para me beijar a bochecha, levantando-se da cama de seguida.
O meu coração batia agora mais depressa mas mantive os olhos fechados enquanto ouvia os seus passos lentos e cuidados no chão de madeira, a afastar-se da sua cama e aproximar-se da cama do irmão.
- Santiago. Tiago. Temos de ir. – murmurou ele num tom baixo obviamente para não me acordar nem à Meg que dormia na cama do namorado.
- Estou a ir. – foi a resposta do mais velho e a última frase que ouvi trocarem antes de ambos saírem do quarto e voltarem a encher aquele espaço do mesmo silêncio horrível.
**
- Bom dia. – desviei o olhar da televisão assim que ouvi a voz da Meg atrás de mim e como não lhe respondi, ela aproximou-se do sofá e sentou-se ao meu lado – Como te sentes?
- Como acho que se sente qualquer pessoa que assistiu à morte de uma pessoa na noite anterior. – atirei a resposta sem conseguir controlar-me – Como é que achas que me sinto? Como é que tu te sentes? Parece que sou a única aqui a dar em maluca com tudo o que aconteceu.
Ela suspirou e deixou cair a cabeça no encosto do sofá – Claro que não me sinto bem, Sky. Sei perfeitamente o que é que aconteceu ontem à noite e não estou bem com isso mas era o Theo. Não era nenhuma pessoa inocente que não merecia que algo assim acontecesse, foi o Theo. – a Meg voltou a suspirar, mantendo o seu olhar preso no meu – Nós tentámos a via legal, o que resultou num curto período de tempo mas e depois? Ele voltou por ti, voltou para te levar e sabe-se lá que mais é que iria fazer? Desta forma… - a voz dela sofreu um corte – Desta forma sabemos que ele não pode voltar para te magoar, ou magoar quem quer que seja. E é por isso que não estou assim tão alterada com o que se passou.
Abanei a cabeça e afastei o olhar; não conseguia perceber como é que ela pensava aquilo. Sim, tinha de admitir que me sentia ligeiramente mais descontraída agora que sabia que o Theo não podia voltar para me magoar mas mesmo assim, sempre que me lembrava que isso se devia ao facto de ele estar morto, rapidamente sentia a minha barriga novamente às voltas.
- Mesmo assim, aquilo que fizemos está errado e não sei se consigo viver com isso.
- Temos de viver com isso. – olhei novamente por cima do meu ombro assim que desta vez ouvi a voz da Lola vinda do fundo das escadas – Não consigo parar de pensar no que aconteceu mas a Meg tem razão, ele era uma pessoa má e teve aquilo que merecia. – voltei a abanar a cabeça e apenas desviei novamente o olhar em direção à Lola quando senti a sua mão pousada na minha – O Enzo fez isto tudo por ti e o Santiago também está envolvido em tudo. Os meus irmãos estão envolvidos nisto, Sky. Por ti. – mordi o lábio inferior com força, pronta para atirar que eu não tinha pedido por nada daquilo mas ela tinha razão, estavam todos envolvidos naquela situação por causa de mim – Os meus irmãos não podem arranjar mais problemas… Não sei o que seria da minha mãe se voltássemos a passar por outra situação semelhante… E o Diego… - agora nada do que ela dizia fazia sentido mas o seu ar aterrorizado não me dava azo a fazer qualquer pergunta – Se algum deles foi apanhado vão dizer que não havia mais ninguém envolvido no que aconteceu. Ou vão juntar-se os três e dizer que eram os únicos envolvidos no que se passou… Eles é que vão sofrer as consequências para que não nos aconteça nada e tudo por alguém que merecia sofrer por tudo o que fez.
Tinha a garganta seca e sentia o olhar das duas raparigas posto em mim. Depois de ouvir o que elas pensavam sobre a noite anterior, conseguia entender os motivos de ambas para levarem a morte do Theo como um acontecimento mais banal mas ainda assim, para mim tudo isto era demasiado, era demasiado para levar os meus dias como se aquela noite não tivesse acontecido. Tinha morrido uma pessoa e o problema, é que mesmo que fosse alguém que me aterrorizava durante todos os dias da minha vida, não sabia se ia conseguir superar e viver com isso.
- O Theo podia merecer o que lhe aconteceu mas isso não muda o facto de estarmos todos ligados a isso para o resto das nossas vidas. E eu não sei como é que vou viver o resto da minha sempre com a morte dele a pesar-me na consciência.
**
Os rapazes continuaram sem aparecer e estar trancada em casa dos Suarez estava a deixar-me maluca pelo que decidi ir até à embaixada para ver a Taylor e tentar afastar toda a noite anterior do meu pensamento. Não sei se foi por ter também saudades da família ou se estava com medo que eu dissesse alguma coisa mas a Meg acabou por também se despedir da Lola e vir comigo.
Depois de cumprimentarmos a Jacinta à entrada da embaixada, subimos para a zona dos quartos onde ela nos tinha dito que estaria a Taylor mas antes de conseguirmos chegar ao nosso destino, fomos interceptadas pelo meu pai.
- Sky.
- Não quero falar contigo. – disse imediatamente, tentando passar por ele de seguida. Ainda estava magoada com ele pelo que me tinha escondido todo este tempo e com tudo o que tinha na cabeça naquele momento, a última coisa que queria era falar com ele.
- Temos de falar. – parei apenas porque fui obrigada a isso graças à sua mão a prender o meu braço. A Meg mantinha-se em silêncio atrás de mim – Conheces alguma Nora?
Juntei as sobrancelhas, confusa com aquela pergunta e com o facto de aquilo ser o seu tema tão importante. Olhei novamente por cima do meu ombro em direção à minha prima que abanou a cabeça em resposta à pergunta do meu pai.
- Não, não conheço nenhuma Nora. – respondi segura.
- Tens a certeza?
- Tenho. A mentirosa aqui não sou eu. – atirei em resposta mas rapidamente me arrependi assim que a imagem do Theo me surgiu na cabeça – Quem é a Nora?
- O Clarke está na esquadra. – o Clarke era um dos homens de confiança do meu pai, aquele em quem ele mais confiava para resolver os problemas mais difíceis e aqueles que tinham de passar o mais despercebidos possível. Era um ex-SEAL e tinha bastante conhecimento judicial, por isso era basicamente o melhor amigo do meu pai, a arma de ataque que ele usava quando não havia mais nenhuma alternativa – Essa rapariga, a Nora, diz que o namorado desapareceu.
Estava cada vez mais confusa com toda aquela conversa – O namorado? – repeti – E o que é que eu tenho a ver com isso?
O meu pai assentiu com a cabeça e suspirou, levando a que o seu olhar frio desaparecesse para dar lugar àquele seu olhar de pai, de preocupação e carinho.
- Ela diz que o namorado dela é o Theo e diz que se ele está desaparecido é porque tu lhe fizeste alguma coisa.