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Treinta y tres

por Joanna, em 13.02.16

O tempo ia passando e ainda assim sentia que os meus pensamentos estavam longe de acalmarem. Por isso mesmo é que continuava sentada no tampo da sanita enquanto a Meg passava uma toalha molhada pelo meu rosto e braços que eu sabia estarem cobertos de sangue apesar de ainda não ter olhado para eles.

- Tens de despir essa roupa.

Abanei a cabeça sem fazer qualquer outro movimento – Temos de chamar a polícia. – murmurei mantendo o meu olhar fixo no vazio – Precisamos de lhes dizer o que se passou.

A Meg abriu a boca mas foi interrompida por uma batida na porta. Dei um salto ao ser apanhada desprevenida e naquele momento percebi que a partir daquele dia ia sempre assustar-me com qualquer coisa que me apanhasse de surpresa.

A Lola abriu lentamente a porta – Trouxe-te umas roupas lavadas. – olhei para as peças de roupa que ela tinha na mão e voltei a olhar para a Meg à espera de apoio – O Enzo disse que temos de queimar essas roupas. – voltei a desviar o olhar para ela – O Enzo está a tratar de tudo.

- O Enzo tem de chamar a polícia. – foi a única coisa que me ocorreu dizer. O Theo tinha entrado à força na minha casa, tinha-me atacado e a morte dele tinha sido apenas em defesa pessoal; precisávamos de explicar isso à polícia mas parecia que ninguém estava a pensar seguir esse caminho.

- Ele não pode chamar a polícia. – murmurou a Lola – A arma não está registada… o Tiago não tem explicação para ter a arma e a polícia vai descobrir isso em três tempos. O Tiago ia acabar por ser preso… e ele não pode ir para a prisão.

- Qual é o plano então?

A minha expressão alterou-se para total surpresa assim que ouvi a minha prima – O plano? – repeti sentindo a minha garganta a apertar – Temos uma pessoa morta na minha sala de estar! Não há plano nenhum! – quase gritei – O plano é chamarmos a polícia e explicarmos tudo o que aconteceu. Esse é o plano!

- Sky, está tudo bem. – encontrei o olhar da minha prima assim que ela se voltou a aproximar de mim e colocou as mãos nos meus ombros; limitei-me a abanar a cabeça, não está nada bem, pensei para mim mesma – Vamos resolver isto, certo? – continuei a abanar a cabeça – Tens de despir essas roupas. Anda lá, eu ajudo-te.

Depois de a Meg me ajudar a despir aquelas roupas ensanguentadas, a Lola levou-as com ela e eu fui enfiada dentro da banheira para retirar os restos de sangue que ainda tinha na minha pele. Não conseguia perceber como é que parecia que eu era a única que não achava aquela situação normal; os meus pensamentos não faziam qualquer sentido e limitava-me a seguir as indicações da minha prima.

Não sabia precisar quanto tempo é que tínhamos estado fechadas naquela casa de banho, mas assim que voltámos para a sala onde se encontrava o resto do grupo, parecia que nada tinha acontecido naquela divisão. O corpo do Theo já não estava estendido no chão, não havia qualquer mancha de sangue no chão de mármore e a ligeira desarrumação da sala era quase idêntica àquela que tínhamos feito antes de eles saírem para ir às compras.

- Tens a certeza que é isso que temos de fazer?

- Já te disse que sim. Queimamos o corpo para tirar vestígios nossos e depois vemo-nos livre dele. Vamos deixa-lo no rio.

Por momentos pensei que tudo aquilo não tinha passado de um pesadelo. Por momentos ponderei mesmo que depois de eles saírem para ir às compras eu tinha adormecido no sofá e isto não passava tudo de um pesadelo mas assim que ouvi a conversa entre o Tiago e o Enzo, percebi que o pesadelo era aquilo que eu estava a viver.

- Precisamos de um álibi. – o Diego parecia o mais nervoso dos três rapazes – Se alguém der pela falta dele vão longo pensar na Sky por causa do passado deles. Precisamos de um álibi para esta noite.

- O Martin ia dar uma festa. Ele convidou-me a mim e à Sky. Podemos ir à festa dele.

O Enzo assentiu com a cabeça – Sim, quanto mais gente nos vir melhor. – mantive o meu olhar fixo no local onde o corpo do Theo tinha estado e levantei-o apenas quando o Enzo se aproximou de mim – Sky? Vamos resolver isto, está bem? – lá estavam eles a falar comigo como se eu fosse uma criança e a falar de toda aquela situação como se tivéssemos acabado de atropelar um animal em vez de termos morto alguém na minha sala de estar – Vocês ficam com ela enquanto nós tratamos de tudo. Assim que voltarmos estejam prontas para sair.

Estiquei a mão e prendi o pulso dele, impedindo-o de se afastar e seguir o Tiago e o Diego para fora de casa – Enzo? – naquele momento não conseguia formar uma pergunta decente por isso limitei-me por proferir o seu nome.

As mãos do Enzo agarraram na minha cara, obrigando-me a fixar o meu olhar nos seus olhos – Vai ficar tudo bem. – continuavam a repetir aquela frase mas para mim isso não a tornava mais verdade.

Não consegui dizer nada e também não consegui fazer nada, limitando-me a segui-lo com o olhar enquanto o via a sair porta fora.

**

A hora que se seguiu passou dolorosamente devagar. Limitei-me a ficar sentada no sofá, agarrada às minhas pernas a olhar para o espaço onde o corpo imóvel do meu ex-namorado tinha estado enquanto a minha prima e a Lola iam limpando o mesmo e andavam de um lado para o outro a tentar limpar quaisquer vestígios da presença do Theo ali em casa.

Os três telemóveis estavam desligados e apesar de eu não perceber como é que era suposto falarmos com qualquer um dos rapazes caso acontecesse alguma coisa, também não o disse em voz alta. Continuava a parecer que eu era a única que não sabia como reagir à situação em que nos encontrávamos e por isso limitei-me a fazer o que me era dito.

Desviei o olhar assim que ouvi a porta de casa a bater e só quando soltei o ar é que percebi que tinha estado a conter a respiração. O Enzo e o resto dos rapazes estavam de volta e apesar de terem um ar cansado, ninguém diria que tinham acabado de se ver livres de um corpo. Estás uma autêntica comediante.

- Estão prontas para sair?

O olhar da Meg e da Lola fazia prever que elas queriam saber o que é que tinha acontecido no tempo em que nos tinham deixado sozinhas, mas nenhuma delas parecia ter coragem para colocar a pergunta em voz alta e não era eu que a ia fazer. Eu não queria saber. Eu não queria saber de nada. Eu só queria que a minha vida voltasse ao momento antes de tudo isto ter acontecido, só queria isso.

As motas do Santiago e do Diego afastaram-se, deixando-me a mim e ao Enzo para trás. Mordi o meu lábio inferior com força quando me vi sozinha com ele; sabia que ele era incapaz de me fazer mal mas ainda assim parecia que já não me sentia tão segura com ele como antes.

- Não me deixaste ir embora. – murmurei e apesar de não estar a olhar para ele sabia que o Enzo tinha o olhar fixo em mim – Não me deixaste ir embora porque o querias matar. Sempre foi esse o plano? E o Santiago… vocês estavam a falar… ele disse que tu não tinhas de levar com os pecados dele. O que é que isso significa?

O Enzo voltou a puxar-me para mim e sentir os braços dele à volta do meu corpo deixou-me ligeiramente mais calma – Não havia plano nenhum, Sky. Tratámos de um assunto que não tinha boas soluções e agora temos de seguir com as nossas vidas. – abri a boca para falar mas ele não me deixou fazê-lo – Qual era a opção? Chamar a polícia? A ordem de afastamento que tens contra ele não resulta e ele ia acabar voltar a sair da prisão e vir atrás de ti. A outra opção era ficares fechada algures com segurança a toda a hora. Nenhuma dessas opções eram válidas. Ele já não te pode magoar mais agora.

- Matámos uma pessoa. Viver com isto também não me parece uma opção válida.

- Vamos conseguir resolver isto, está bem? Confia em mim.

Queria muito poder acreditar que o que ele dizia era verdade mas não conseguia. A realidade é que por mais que tentes esquecer alguma coisa, há sempre algo que te faz recordar esse momento e não me parecia que fosse assim tão fácil esquecer que tinha assistido à morte de alguém e a tudo o que estávamos a fazer depois disso. Simplesmente parecia-me impossível e muito mais difícil do que todos eles pareciam achar.

Subi para a mota depois do Enzo o fazer e agarrei-me com força a ele. Assim que a mota arrancou, fechei os olhos e tentei imaginar que aquela era uma das nossas viagens normais, que era apenas eu e ele num passeio por Madrid. Os primeiros cinco segundos de tentativa correram muito bem até a minha cabeça se encher de imagens do que se tinha passado na sala de estar: o Theo a vir na minha direção e o Santiago a disparar a arma.

Nunca ia conseguir afastar aquelas imagens da cabeça, não interessava o que é que eles diziam.

A casa do Martin estava apinhada de gente e assim que entrámos na mesma separamo-nos todos. Andámos pelo meio da multidão, dando encontrões propositados e falando com o maior número de pessoas que conhecíamos para termos a certeza que éramos vistos por toda a gente.

- Martin! – fiz o meu melhor esforço para tentar soar o mais natural possível assim que o vi – Vamos tirar uma fotografia. – a Meg e a Lola ficaram alguns segundos a olhar para mim apanhadas de surpresa antes de perceberem o que eu estava a fazer e sorrirem para se juntar à fotografia.

Fiz o meu maior esforço para seguir o plano deles e tentar parecer o mais normal possível mas rapidamente voltei a ser assolada pelo pânico do que tinha acontecido algumas horas atrás. Andei às voltas no quarto onde me tinha fechado e apenas parei quando a porta se abriu e vi o Enzo atravessar a mesma.

- Não sei se consigo fazer isto. – levei as mãos aos cabelos e apertei os mesmos com força – Matámos uma pessoa, Enzo. Não consigo fazer isto.

Os braços do Enzo rodearam o meu corpo uma vez mais naquela noite enquanto o seu queixo estava apoiado no alto da minha cabeça.

- Shh. Estou aqui para ti, está bem? Vamos conseguir resolver isto e vai correr tudo bem.

- Enzo-

- Confia em mim, Sky. Não havia mais nada que pudéssemos fazer e agora o melhor que temos a fazer é esquecer que aconteceu. Estamos todos juntos nisto e podemos ajudar-nos uns aos outros a lidar com a situação. Passaste todo este tempo a querer pôr o passado para trás das costas e fugir do Theo, finalmente consegues fazê-lo. Só isso é que importa.

- Não sei se consigo fazer isso. – murmurei num tom abafado por ter a cara praticamente colada à camisola dele.

O Enzo abanou a cabeça e afastou-me ligeiramente dele de forma a permitir que os nossos olhares se encontrassem novamente. Só quando ele passou os dedos pelas minhas bochechas é que percebi que estava a chorar.

- Estamos juntos nisto, Sky. Já está feito e agora não podemos fazer nada para o alterar. Precisamos de nos manter unidos, certo? Vai correr tudo bem, prometo.

- Não podes prometer isso. – murmurei sendo a minha vez de limpar as lágrimas que teimavam em cair.

- Vou fazer de tudo para cumprir essa promessa. Posso prometer-te isso. Temos de voltar lá para baixo, precisamos de ter a certeza que a maior parte das pessoas nos vê e depois vamos embora, está bem? – limitei-me a assentir com a cabeça antes de o seguir.

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publicado às 15:58