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Caminhei atrás e de mão dada com o Enzo até ao pequeno quarto que ele partilhava com o irmão. Depois de trancar a porta do mesmo, segui-o até à sua cama de solteiro, mantendo-me o mais próxima possível do corpo do Enzo e de toda aquela proximidade que me tinha sido negada durante a semana em que tínhamos estado longe um do outro.
Tinha os pensamentos a mil, divididos entre o facto do meu pai me ter mentido todo este tempo e a possível presença do Theo em Espanha mas mesmo assim sentia-me mais do que segura e feliz naquele preciso momento.
- Ter passado esta semana sem ti fez com que fossem os dias mais difíceis da minha vida. – murmurou ele com os lábios junto ao meu cabelo enquanto mantinha os braços à volta do meu tronco e não me deixava afastar-me um milímetro que fosse dele – Desculpa. Não me devia ter passado daquela maneira; sou demasiado explosivo mas nada justifica aquilo que aconteceu. Só não quero que penses que eu seria capaz de te fazer mal alguma vez. Eu era incapaz de te magoar Sky.
Desencostei a cabeça do ombro do Enzo e deixei-me estar sentada bastante direita de forma a conseguir manter o meu olhar fixo no seu. No meu cérebro dava-se uma discussão sobre se deveria ou não contar-lhe sobre o meu passado, tudo o que tinha acontecido com o Theo, e acabei mesmo por decidir que estava na altura de o fazer.
- Quando tinha dezassete anos apaixonei-me por um rapaz com vinte. O meu pai nunca gostou dele e não sei se era por ele ser mais velho do que eu ou se era aquele instinto protetor que os pais têm mas eu continuava com aquele ódio de estimação por ele ter refeito a vida com a Kendra e estava apaixonada por isso não quis saber a nada do que ele me dizia. – respirei fundo tentando ganhar coragem para continuar a contar aquilo que durante tanto tempo queria ter deixado para trás mas que me era completamente impossível – Ao princípio era tudo simplesmente perfeito; ele era perfeito e eu estava tão apaixonada como nos contos de fadas mas depois, e por mais que dê voltas à minha cabeça não sei dizer com precisão quando, tudo mudou; ele deixou de ser assim tão perfeito e começou a ser demasiado ciumento e possessivo. Chegou uma altura em que não aguentei mais aquilo e decidi que ia terminar a nossa relação mas ele não aceitou isso e ele não queria ficar sem mim. – mordi o lábio inferior antes de prosseguir – Num segundo estava a afastar-me dele e no segundo a seguir vi tudo preto, isto antes de acordar numa cave e estar amarrada. – desci o olhar para o meu tornozelo, levantando ligeiramente as calças de forma a mostrar a marca que a corda tinha deixado na minha pele e que mesmo depois daqueles anos ainda não tinha desaparecido – Ele ia lá todos os dias dar-me comida, passar tempo comigo e dizer o quanto me amava e que tudo aquilo era para que ficássemos juntos. Tinha a sensação que lá fiquei pelo menos um mês mas uma semana depois o meu pai conseguiu encontrar-me e tirar-me de lá. O meu pai puxou todos os cordelinhos que eram precisos e conseguiu que o Theo ficasse preso e que não se pudesse aproximar de mim mas já passaram quase quatro anos e ele já saiu da prisão. Viemos para Espanha não só para seguir o meu sonho mas também para me tentar afastar de tudo isto e agora… acho que ele está cá. – murmurei fixando novamente os olhos do Enzo – Não sei se só estou com a mania da perseguição ou se ele está mesmo cá mas o que sei é que ele não me vai deixar em paz. Ele ama-me demasiado para isso.
A expressão carregada do Enzo desapareceu ligeiramente assim que passei a ponta dos meus dedos pelo seu maxilar – Eu prometo que não me estou a passar. Muito. – murmurou ele num tom irritado enquanto colocava os meus braços à volta do seu pescoço e voltava a rodear a minha cintura com os seus braços musculados – Eu não sou como o Theo. Não sou perfeito nem nunca fui mas nunca te vou magoar dessa forma. Estar sem ti foi horrível e muito difícil mas era incapaz de te manter comigo contra a tua vontade.
- Eu sei que não és como ele mas o que aconteceu com o Martin… Já te tinha visto a lutar mas nunca te tinha visto naquele estado e assustaste-me a sério. – ele assentiu com a cabeça antes de roçar os seus lábios nos meus – E por falar no Martin… meio que resolvi as coisas com ele. – quando senti o Enzo a afastar-se ligeiramente, aproveitei o facto de estar com os braços à volta do seu pescoço para o puxar novamente na minha direção – Apenas como amigo e bem, não somos assim tão amigos como isso mas ainda assim. Eu sei que ele foi um idiota em muitas ocasiões mas ainda assim ele não foi sempre um idiota comigo e temos de ver que se não fosse ele, eu não estava aqui contigo agora.
- Não gosto de falar do Martin quando estamos na minha cama. Não gosto de falar de outro rapaz quando estamos na minha cama. – dei por mim a sorrir com o tom ciumento do Enzo, transportando-me para um dia-a-dia normal e não para aquele dia que estava a ter – Por isso vamos deixar de falar e vamos ficar só assim, pode ser? – assenti com a cabeça e cheguei-me para mais perto do corpo do Enzo, acabando com qualquer distância que ainda havia entre nós – Ainda bem, agora só quero isto.
**
O final do semestre fez com que fossemos todos dispensados de ir à universidade uma vez que nenhum de nós precisou de ir a exames para acabar as cadeiras em que estávamos inscritos. Ao contrário do que tinha planeado para esse mês de férias, não voltei a meter os pés na embaixada e também não me dei ao trabalho de tentar falar com o meu pai ou com a Kendra, limitando apenas as chamadas telefónicas para a Taylor que não tinha de sofrer com os nossos problemas.
Acabei por passar grande parte dos dias seguintes com o Enzo e o resto do grupo, também como uma pequena compensação pela semana em que me tinha mantido longe de todos eles.
Tinha também demorado este tempo a ganhar coragem para dar uso à chave que o meu pai me tinha dado e me tinha decidido a ir finalmente conhecer a casa onde os meus pais tinham morado durante o seu tempo de apaixonados em Espanha. O Enzo disponibilizou-se logo a ir comigo e acabámos por decidir que seria interessante se fossemos todos, numa espécie de mini viagem como a que tínhamos feito para Portugal.
Toquei à porta de casa dos Suarez com a Meg ao meu lado que ia tagarelando sem parar sobre a saída dela com o Santiago na noite anterior. Para ser sincera a relação deles já tinha deixado de me afectar como antes; a minha prima estava feliz e isso era tudo o que me importava, claro que estava mais do que pronta para arranjar forma de mandar prender o Santiago caso ele fizesse alguma coisa que a fizesse sofrer, mas ouvir aquela história pela terceira vez já me estava a deixar maluca.
A porta principal abriu-se e estávamos prestes a entrar quando demos conta que quem nos abria a porta não era uma cara conhecida. Estaquei automaticamente e fiquei sem saber o que fazer ou dizer durante alguns segundos.
- Olá. – murmurei nervosa enquanto tentava recuperar aos poucos o domínio dos meus pensamentos e corpo – Senhora Suarez? – ela assentiu com a cabeça enquanto sorria; era uma mulher bonita e todos os filhos tinham imensas parecenças com ela. Parecia muito mais velha do que eu sabia que era e tinha a certeza que se devia a todo o esforço e trabalho que faziam parte do seu dia-a-dia – Sou a Sky e esta é a Meg, estamos-
- Sim, eu sei. Entrem, entrem, eles estão a acabar de arranjar as coisas. – ela abriu mais a porta, deixando espaço para que entrássemos em casa e cumprimentou-nos a ambas com dois beijos na cara – Lorenzo! Santiago! Elas já chegaram! – gritou ela pelas escadas que davam ao andar superior – Bem, não estejam assim tão nervosas, eu não mordo.
A verdade é que eu estava mesmo nervosa. O único relacionamento sério que tinha tido antes tinha sido com o Theo e a verdade é que nunca tinha chegado a conhecer os pais dele e por isso esta era a primeira vez que conhecia os pais de um namorado meu. A senhora à minha frente parecia simplesmente adorável mas ainda assim não deixava de ser uma sensação estranha.
- E que cabeça a minha, não me chamem senhora Suarez por amor de deus, eu sou velha mas não sou assim tão velha. Chamem-me Amaia e estejam à vontade, tenho a certeza que já conhecem a casa como a palma das vossas mãos.
Ouvi a Meg engasgar-se ao meu lado e tive de morder o lábio inferior para não me rir. Desviei o olhar para as escadas assim que comecei a ouvir passos vindos da mesma e rapidamente o Enzo surgiu no meu campo de visão. Deu um beijo na testa da mãe antes de caminhar até mim e colocar os braços à volta da minha cintura.
- Já estás apaixonada por ela, mãe? – perguntou com um sorriso enquanto roçava os lábios na minha bochecha.
- O que interessa é que tu estejas apaixonado por ela e eu sei que estás. – a mãe do Enzo dirigia-se para a cozinha no momento em que parou para olhar para mim – Ele não pára de falar de ti, nunca o vi assim, parece uma criança. – não consegui conter o sorriso ao ouvi-la – E o Santiago é igual.
- Eu o quê?
- Não paras de falar à tua mãe sobre mim. – responde a Meg também a sorrir.
- Bem, não tenho culpa que ela fique parada à porta do nosso quarto a ouvir as conversas.
- Santiago! – Amaia atirou o pano que levava na mão ao filho – Gostei muito de vos conhecer e são bem-vindas sempre que quiserem mas agora por favor levem os meus filhos daqui. Já não consigo aturar estes miúdos.
- Vá lá mãe, já não vives sem nós. – o Enzo largou-me e aproximou-se novamente da mãe, abraçando-a de um lado enquanto o Santiago se juntava a ele do outro. Vê-los aos três daquela forma fez-me pensar na minha família mas rapidamente meti esses pensamentos para o fundo da minha mente; não queria pensar no meu pai naquele momento.
Depois de nos despedirmos da Amaia dirigimo-nos até à casa ao lado onde a Lola e o Diego acabavam de arrumar as suas coisas para levar. Ia ser apenas um fim-de-semana e por isso não era necessário nada de mais mas ainda assim toda a gente parecia bastante preocupada com as coisas a levar principalmente tendo em conta que íamos passar alguns dias numa casa onde nenhum de nós tinha estado e que portanto era totalmente desconhecida.
Tinha dado ao Enzo com algum tempo de antecedência a morada e uma vez que ele já sabia onde é que a casa ficava, montei na mota dele e fomos à frente, seguidos pelas outras duas motas.
A casa onde os meus pais tinham morado ficava nos arredores de Madrid num pequeno bairro que fazia lembrar o sítio onde os Suarez moravam mas notava-se que não era um barro tão pobre e que era ligeiramente mais abandonado. A casa que agora me pertencia estava pintada num tom azul claro e tinha um ar simplesmente adorável, como uma daquelas casinhas de bonecas que me lembrava de ter em pequena.
- Estás bem? – encostei-me ao peito do Enzo e assenti com a cabeça, acalmando-me automaticamente com a nossa proximidade – Temos tempo para explorar tudo isto se mudares de ideias. E podemos ser só os dois se te sentires melhor assim.
Abanei a cabeça e virei-me de frente para ele, colocando os meus braços ai redor do seu pescoço – Não. Quero fazer isto agora. Preciso mesmo de fazer isto. O meu objetivo principal ao vir para cá foi descobrir mais sobre a minha mãe, lembrar-me dela e é isso que quero fazer. Obrigada por fazeres isto comigo.
- Deixa de ser melosa, vamos lá entrar. – soltei uma gargalhada com a tentativa do Enzo de esconder o seu sorriso e dei-lhe uma palmada na barriga antes de retirar do bolso das calças a chave da casa que se encontrava à minha frente.
O interior era bastante simples mas muito bonito e apesar de não ser habitada desde que os meus pais tinham abandonado o país, alguém estava responsável de tomar conta da casa e arruma-la porque não havia uma única mancha de pó e a casa estava longe de ter aquele cheiro de estar fechada há imenso tempo.
A casa era constituída apenas por um piso térreo onde se encontrava uma sala de tamanho considerável e onde ficou decidido que seria onde eu, o Enzo, a Lola e o Diego íamos dormir enquanto o Santiago e a Megan iam dormir no pequeno quarto que existia; primeiro tinham falando que eu e o Enzo é que devíamos lá dormir mas a última coisa que queria era partilhar a ex-cama dos meus pais com o meu namorado, chamem-me esquisita mas era demasiado estranho; havia ainda uma casa de banho e uma cozinha bastante espaçosa.
Depois da visita guiada pela pequena casa, abancámos na sala de estar onde passámos o resto da tarde a falar, jogar e ver o que ia passando na televisão, fazendo com que o tempo passasse rápido de mais. Só quando se começou a aproximar da hora de jantar é que percebemos que não tínhamos pensado ainda nisso e que era necessário ir comprar alguns alimentos para aquele fim-de-semana em que ali íamos estar.
- Tens a certeza que não queres que fique contigo?
Agarrei-me à almofada que estava mais perto e abanei a cabeça – Absoluta. Não te preocupes, a sério. É só uma dor de cabeça e já passa. Preciso de um bocadinho de silêncio e tu tens de ir ajudar com as compras.
- Mas eu posso ficar aqui em silêncio.
Sorri e estiquei-me até conseguir beijar os lábios do Enzo – Vai lá. Não vais demorar tempo nenhum por isso não morres de saudades minhas. – brinquei com um meio sorriso enquanto me ajeitava no sofá.
- Mantém o telemóvel ao pé de ti. E qualquer coisa liga-me.
Fechei os olhos enquanto mantinha a cabeça deitada ao braço do sofá e sorri com o silêncio que percorreu aquele espaço. Estava com uma dor de cabeça descumunal e precisava daquele bocadinho para descansar.
Retirei o telemóvel do bolso assim que senti o mesmo a vibrar e revirei os olhos – Enzo, ainda agora saíste daqui, eu est-
- Não é o Enzo. – abri os olhos e sentei-me no sofá com grande rapidez. Senti a minha cabeça martelar e deixei de saber se era pela dor de cabeça de antes ou se era por ter ouvido a voz do Theo tanto tempo depois – Sou eu. Tive tantas saudades tuas. Quando te vi no outro dia…
Engoli em seco enquanto sentia como se o meu coração me estivesse a ser arrancado do peito. Era o Theo e ele estava em Espanha, tinha sido ele quem me tinha estado a seguir naquele dia pelas ruas de Madrid e neste momento sentia pânico puro a percorrer todas as células do meu corpo.
- Como é-
- Assim que saí da prisão comecei a procurar-te. Foi difícil mas acabei por descobrir que tinhas vindo para aqui. Devia ter-me lembrado logo que vinhas para aqui. – sabia que ele estava a sorrir do outro lado da linha e senti um arrepio na espinha – Quero encontrar-me contigo, quero ver-te. Preciso de te ver Sky. Encontra-te comigo. Estou à tua espera num café em Madrid, já te mando mensagem com o nome.
- Theo, não me vou encontrar contigo. – tentei ignorar todo o medo que estava a sentir e soar o mais forte e calma possível – As coisas entre nós acabaram e não há volta a dar. Por favor volta para casa e esquece-me. – desliguei a chamada e pressionei o telemóvel com força contra o meu peito. Levantei o olhar com um suspiro ao ouvir a campainha tocar e levantei-me do sofá para ir abrir a porta ao grupo que vinha carregado com compras – Foram rápidos.
- Olá bebé. – o meu peito começou a subir e descer demasiado depressa quando eu me lancei para a frente para fechar a porta.