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Veintidós

por Joanna, em 21.11.15

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A Megan caminhava ao meu lado pelos corredores cheios e barulhentos do edifício principal da universidade e apesar de ela estar a falar não lhe estava a prestar qualquer atenção. Todo aquele barulho e movimento estavam a conseguir manter os meus pensamentos afastados daquilo que me tinha enchido a cabeça toda a noite anterior e esta manhã e estava a gostar dessa sensação.

- Não se consegue ouvir nada aqui. – resmungou a Meg enquanto olhava para o telemóvel onde eu consegui ler a palavra “mãe” escrita a preto no ecrã branco – Vou lá fora atender, encontramo-nos na sala.

- Manda-lhe beijinhos meus. – falei pela primeira vez desde que nos tínhamos afastado dos dormitórios e vi a minha prima a afastar-se deixando-me assim sozinha no meio de toda aquela confusão.

Como já tinha chegado junto à porta onde ia ter a primeira aula daquela manhã, encostei-me à parede de tons claros e tentei manter os meus pensamentos o mais afastados possível do Enzo. Estava tão distraída a tentar distrair-me que quase morri de susto quando senti uns braços rodearem-me a cintura.

- Bom dia!

Senti como se o meu coração tivesse falhado uma batida assim que percebi que se tratava do Martin e não do Enzo e fiz um grande esforço para sorrir e para que esse sorriso não parecesse super forçado.

- Olá. – cumprimentei de volta assim que me virei de frente para ele, deixando de ter os braços do Martin à volta da minha cintura – Desculpa aquilo tudo de ontem; não te queria ter deixado preocupado.

- Isso agora não importa. – o sorriso sincero e adorável do Martin era como uma facada no meu coração. Tinha ali à minha frente um rapaz querido, simples e sem qualquer problema mas a minha mente não conseguia afastar-se do total oposto dele – Eu também confesso que só entrei em parafuso porque estava à tua procura para te convidar para um jantar que houve ontem no restaurante dos meus pais. – voltei a sentir aquela faca imaginária ser cravada no meu peito – Mas já percebeste que eles adoram festas por isso teremos outra oportunidade.

- Desculpa. – voltei a pedir sentindo-me cada vez mais culpada e por isso desta vez nem consegui forçar o sorriso ou o meu ar normal.

O Martin percebeu essa mudança e aproximou-se mais de mim, levando uma das mãos à minha cintura enquanto a outra levantava o meu queixo de maneira a que o nosso olhar se encontrasse – Hey, o que se passa? Não faz mal Sky, a sério. Era só um jantar, fica para a próxima. Podemos ir a outro sítio qualquer hoje ou amanhã, como te der mais jeito, quero passar mais tempo contigo.

Mordi o interior da minha bochecha com força ao vê-lo sorrir e o meu olhar desviou-se da cara do Martin para o corredor assim que apanhei pelo canto do meu olho o Enzo a passar pelo mesmo, ao lado do Diego e da Lola. Os nossos olhares encontraram-se e devia ser a primeira vez que o via a passar por mim sem receber aquele sorriso provocador do Enzo que me deixava completamente irritada. Ele não parou, continuou a andar juntamente com os outros dois, com aquela expressão carregada e o olhar sempre posto em mim até se afastar completamente e isso já não ser possível.

- Acho que estou a entrar em modo de saudades de casa, dos EUA quero dizer. – voltei a minha atenção para o Martin e sorri bastante ligeiramente uma vez que era o máximo que conseguia sorrir naquele momento – Não me ligues. Sim, pode ser, depois combinamos isso. É melhor entrarmos.

O braço do Martin pousou em cima dos meus ombros e apesar de ter uma vontade enorme de me afastar não o fiz e caminhei ao lado dele até ao interior da sala onde teríamos aquela aula juntos. Sentámo-nos numa zona vazia da parte da frente e guardei o lugar ao meu lado para a Meg.

Enzo {09:15} : Preciso de falar contigo

Engoli em seco ao ver aquela mensagem e voltei a guardar o telemóvel no bolso, tirando o estojo e o caderno da mala para prestar atenção à aula mas não conseguia ouvir o que estava a ser dito, apesar de seguir atentamente os lábios do professor e saber que ele estava a falar.

Enzo {09:17} : Eu sei que estás a ver as mensagens por isso não me ignores

Enzo {09:18} : Skylar. Estavas com ele e não me aproximei, tal como prometi, agora quero falar contigo

Enzo {09:19} : Que merda. Eu juro que te vou ai buscar e não quero saber dele para nada

Guardei à pressa o meu telemóvel novamente e olhei para a minha esquerda onde o Martin se mantinha alheio a toda aquela discussão por mensagens e olhava com atenção para o que se estava a passar no power-point. O meu olhar voltou a desviar-se quando vi a Meg a entrar na sala e a caminhar discretamente até àqueles lugares.

- A minha mãe quando começa a falar não se cala. – queixou-se ela apesar de sorrir – Sky, o que tens?

Devia estar a fazer uma expressão sofrida para ela me ter perguntado aquilo por isso apressei-me a abanar a cabeça – Nada, estou um bocado mal disposta. Vou à casa de banho.

Levantei-me e tentei sair o mais discretamente possível dali para não interromper a aula. Respirei fundo assim que cheguei ao corredor e ia tirar o meu telemóvel para responder ao Enzo quando o meu braço foi agarrado e fui puxada até a uma das casas de banho daquele corredor.

- Estás maluco?! – gritei irritada com ele mas também comigo, por tudo aquilo que estava a sentir e que não conseguia compreender ou ignorar por mais que quisesse – O que é que queres afinal?

- Calma princesa. – revirei os olhos quando o sorriso do Enzo vez a sua aparição pela primeira vez naquele dia – Quero falar contigo. Sobre ontem.

Encolhi-me ligeiramente à menção do dia anterior mas levantei o queixo e tentei não parecer minimamente afetada com aquilo – O que é que tem? – perguntei orgulhosa de mim própria por a minha voz ter soado normal.

- Bem, vejam só quem é que perdeu a memória. – revirei os olhos ao ouvir o tom irónico do Enzo. Ele tinha-se encostado à porta da casa de banho de forma a impedir que mais alguém entrasse naquele espaço e estava de braços cruzados a olhar para mim bastante fixamente – O que é que tem? Hm… vamos ver, ontem estavas a tratar-me das feridas e quase nos beijámos. Já te lembras ou ainda não?

Cruzei também os braços e encostei-me na parede oposta de maneira a estar o mais longe possível do Enzo, não fosse a proximidade da noite anterior voltar a acontecer e as coisas ficassem novamente perigosas de mais – Sim, e?

- E hoje já voltaste para o teu namorado como se nada fosse?

- Ele não é o meu namorado. – respondi prontamente – E não percebo porque é que estás tão afectado, não aconteceu nada entre nós. Quase nos beijámos, não nos beijámos e além do mais isso é muito fácil de explicar, eu estava fora de mim depois daquele combate e eu e tu ficámos próximos de mais. Só isso.

- Estou a ver. – o Enzo desencostou-se da porta e ouvi o que parecia o trinco da mesma a fechar. Engoli em seco sentindo-me totalmente encurralada naquela divisão e esse sentimento tornou-se ainda mais intenso assim que ele começou a caminhar na minha direção. Andei para trás, tentando manter a distância que havia entre nós ao igualar os passos do Enzo mas assim que embati contra a parede de azulejo esse plano foi por água a baixo – Estás com medo? – a voz dele estava mais baixa o que se devia ao facto de o Enzo estar agora mesmo à minha frente e ter pousado as mãos na parede atrás de mim, com a minha cabeça no meio e deixando as nossas caras muito próximas uma da outra pelo que não havia qualquer necessidade de falar muito alto para que nos ouvíssemos – Estás com medo de mim ou do que pode acontecer se voltarmos a ficar muito próximos um do outro?

Engoli em seco enquanto mantinha o meu olhar fixo no dele, observando com bastante atenção aqueles olhos castanhos que àquela distância mostravam também uma tonalidade esverdeada. Os meus ouvidos estavam a ser atacados por um zumbido irritante e não conseguia pensar em absolutamente mais nada que não no Enzo.

- Não vai acontecer nada. – respondi tentando parecer o mais segura de mim possível mas ouvi a minha voz tremer e a ligeira subida dos lábios do Enzo disse-me que ele também não tinha acreditado naquilo que eu tinha acabado de dizer – Não vai acontecer nada, Enzo. – repeti numa segunda tentativa que correu ligeiramente melhor mas ainda assim – Somos amigos. E eu e o Martin não somos namorados mas…

- Mas? – perguntou ele aproximando mais os nossos corpos, destruindo assim a fina camada de ar que havia antes entre nós. Tentei não pensar no facto do corpo do Enzo estar completamente colado ao meu, deixando-me totalmente presa entre a parede e ele, e mordi o meu lábio inferior assim que ele baixou a cabeça aproximando perigosamente as nossas caras. Consegui virar a minha mas mesmo isso acabou por não ser grande ideia quando os lábios do Enzo se aproximaram da minha orelha e senti um arrepio na espinha assim como toda a minha pele a arrepiar – Por mais que continues a dizer que não aconteceu nada, ambos sabemos que se o Martin não tivesse ligado naquele momento que nos tínhamos beijado. – murmurou ele contra a minha orelha – Admite.

Virei a cara para ele, ganhando uma onda de coragem envolvida por uma grande quantidade de estupidez, e se antes estávamos muito perto um do outro agora estávamos mesmo a escassos milímetros de distância um do outro, tornando possível que eu conseguisse sentir a respiração do Enzo a embater na minha cara e inundava o meu cérebro com imagens e pensamentos de que bastava mexer-me menos de um centímetro para a frente e os nossos lábios estariam em contacto.

- Quer o Martin ligasse ou não, eu nunca te beijaria. – agradeci por desta vez a minha voz soar sem falhas apesar de estar a mentir tanto como anteriormente – Não quero absolutamente nada contigo Enzo. Comecei a dar-me contigo por causa de uma aposta estúpida e no máximo aquela noite fez-me pensar que poderíamos ser amigos mas nunca na minha vida trocaria alguém como o Martin por alguém como tu.

Ele voltou a sorrir e desta vez não sabia se era pela menção daqueles momentos que tínhamos passado juntos ou se era porque ele sabia que eu estava a mentir, eu sabia que estava a mentir mas esperava seriamente que para ele fosse a primeira opção.

- Porque o Martin é tão boa pessoa. – o Enzo voltou a usar aquele tom irónico que me fez recordar a conversa que tínhamos tido no restaurante em que ele me tinha dito para perguntar ao Martin quem era a Julia – Mas tudo bem, fica lá com o santo Martin.

Ao acabar de proferir aquela frase o Enzo retirou as mãos da parede e afastou o seu corpo do meu, virando-me de seguida as costas. Baixei o olhar para o chão enquanto tentava respirar normalmente mas parecia que tinha estado demasiado tempo a prender a respiração. O zumbido nos meus ouvidos continuava e agora a ele juntava-se o barulho do meu coração que batia rápido de mais. Sentia-me vazia com o afastamento do corpo do Enzo e sentia-me também muito desiludida não sabia se comigo por ter mentido e ter sido também bruta nas minhas respostas ou se com o meu corpo por, ao contrário do que eu dizia, querer o Enzo por perto.

Pareceram passar longos minutos enquanto eu me mantinha perdida em pensamentos que tentavam deslindar tudo aquilo que estava a sentir mas na verdade foram apenas segundos desde que o Enzo me tinha virado costas para se ir embora e de seguida tinha mudado de ideias, voltando a prender o meu corpo entre o seu e a parede de azulejos.

Levantei o olhar novamente para ele quando a nossa proximidade foi reposta e não tive tempo de fazer absolutamente nada já que os lábios do Enzo entraram em contacto com os meus. Mantive-me imóvel durante alguns segundos, apanhada de surpresa apesar de não ser qualquer surpresa que eu o queria beijar, até que consegui finalmente fazer alguma coisa e levei as minhas mãos ao cabelo do Enzo para o puxar mais para mim.

Os braços musculados do Enzo rodearam a minha cintura, trazendo o meu corpo para mais perto do seu se é que isso era possível, e soltei um suspiro ao sentir a língua dele passar pelo meu lábio inferior antes de a ter em contacto com a minha num beijo intenso e bastante apaixonado.

Isto até ele se afastar e quebrar o beijo com tanta rapidez como o tinha começado. Os nossos corpos voltaram a afastar-se, fazendo-me sentir uma vez mais como se faltasse alguma coisa e esse sentimento tornou-se ainda mais forte assim que o vi a olhar para mim com bastante atenção e sorrir. Tinha a certeza que estava com um aspeto vergonhoso com o meu cabelo ligeiramente despenteado, as minhas bochechas vermelhas e os lábios ligeiramente inchados e ele parecia estar a gostar disso, como se soubesse que eu não o ia impedir de me beijar, como se me quisesse mostrar isso.

- Nunca trocavas alguém como o Martin por mim, não é? – perguntou ele divertido.

Naquele momento sentia-me como uma criança indefesa perante o seu maior medo e era uma sensação completamente horrível. Tive de piscar os olhos várias vezes para me impedir de chorar porque não ia chorar à frente daquele parvalhão.

- Odeio-te. – murmurei passando por ele para sair dali. Fui impedida quando o Enzo me agarrou no braço, agora sem o sorriso a emoldurar-lhe a cara e em vez disso as suas sobrancelhas estavam juntas numa expressão de confusão – Deixa-me em paz e não te voltes a aproximar de mim. – disse fazendo soltar-me o braço para continuar o meu caminho dali para fora.

- Skylar. – ouvi a voz do Enzo atrás de mim – Anda lá, o que é foi? – continuei a andar ignorando-o totalmente e assim que cheguei à porta da casa de banho apressei-me a destrancar a mesma – Sky. Isto é uma estupidez. Sky!

Abracei-me a mim própria enquanto percorria a passos acelerados o corredor do edifício da universidade, querendo sair dali o mais depressa possível. Não sabia como é que tinha sido tão estúpida ao ponto de cair na mesma conversa e nos braços do mesmo tipo de rapaz por uma segunda vez. Sentia-me horrível e magoada, sem saber muito bem o que pensar ou fazer naquele momento, só queria sair dali.

Quando saí finalmente do edifício, o ar frio do exterior ajudou-me a acalmar um pouco mas não deixei de andar, continuando a fazê-lo até sair mesmo do campus universitário e ao chegar às ruas de Madrid continuei a andar sem qualquer destino e sem me importar com isso. Precisava de algum tempo sozinha e precisava de pôr as ideias no sítio, neste momento só isso é que me interessava.

As nuvens que enchiam o céu e tapavam o sol levaram a que começasse a chover com bastante intensidade e apesar de ser a única que continuava no meio da rua a andar com aquela chuvada sem qualquer protecção ou preocupação, continuei o meu caminho como se nada fosse.

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publicado às 14:40