Veintiuno
Ajeitei o meu casaco de forma a manter-me o mais quente possível mas ao mesmo tempo queria que aquele ar frio me acalmasse os pensamentos e os metesse no lugar. Não fazia ideia de que horas já eram mas sabia que era tarde; o céu estava já escuro e estrelado e já não havia muita gente a passear pelas ruas de Madrid. Parecia que tinha saído de casa dos Enzo há horas mas sabia que não podiam ter passado mais do que uns trinta minutos.
Em vez de me dirigir para o campus universitário como era suposto, tinha acabado por caminhar até ao centro da cidade onde apesar da hora tardia ainda haviam vários estabelecimentos abertos e acabei por me decidir a entrar num café e pedir um chocolate quente depois de me sentar numa das mesas vazias.
Vais beijar-me com o teu namorado a ligar-te?
A verdade é que eu não fazia a mínima ideia de qual era a minha ideia quando tinha desligado a chamada do Martin e tinha voltado a fixar-me nos olhos castanhos do Enzo, mantendo a nossa proximidade em vez de me afastar como deveria ter feito, mas tinha quase a certeza que era exatamente nisso em que estava a pensar, beijá-lo.
Isto é, até o Enzo falar e quebrar qualquer que fosse o encanto hipnotizante que ele tinha em mim até à momentos. O problema em toda aquela situação é que neste momento estava envergonhada mas acima de tudo, muito irritada comigo própria e não sabia se era por não me ter conseguido controlar, afastar-me do Enzo, parar de olhar para o seu corpo despido e desejado tê-lo beijado ou se era porque aquela pergunta dele me tinha atingido directamente no peito. Desde o início que tinha dito que me ia afastar do Enzo, que não ia cair naqueles jogos dele e que não queria saber de nada disso, apenas do Martin, de como ele era querido e carinhoso e de como me fazia sentir; só que agora, tendo estado prestes a beijar qualquer um deles e ter sido interrompida antes de o fazer, sentia-me mais irritada por o beijo com o Enzo não se ter realizado do que tinha sentido quando o mesmo tinha acontecido com o Martin.
Dei um pequeno gole ao meu chocolate quente, tentando novamente afastar todos aqueles pensamentos da minha cabeça, tarefa que estava a ser bastante árdua. Sentia-me exausta e só queria ir para a minha cama e dormir até ao dia seguinte mas a Megan estava no dormitório e a última coisa que eu precisava era que ela me enchesse de perguntas para as quais eu não sabia ou não queria responder.
Tirei o telemóvel do bolso e depois de desbloquear o mesmo carreguei no ícone das chamadas. Fiquei alguns segundos a olhar para o nome Martin que aparecia nas chamadas recebidas até ganhar coragem para carregar no mesmo e esperar que ele atendesse.
- Olá! Estava preocupado contigo, pensava que se tinha passado alguma coisa como não apareceste nas aulas de hoje e não respondeste a mensagens nenhumas. – tinha o telemóvel encostado ao ouvido e ouvia a voz do Martin do outro lado do aparelho mas não conseguia prestar qualquer atenção o que ele dizia – Sky? Estás bem?
Acordei do transe em que me encontrava ao ouvi-lo chamar o meu nome e assenti com a cabeça, só percebendo depois que ele não conseguia ver esse gesto e que teria mesmo de arranjar a coragem que me parecia faltar para falar e lhe responder.
- Sim, sim, está tudo bem. – apressei-me a responder, tentando soar o mais honesta possível. Sim, está tudo ótimo. Passei a noite com o Enzo, com quem já partilhei os chuveiros uma vez, passei o dia todo com ele, estive a admirar o corpo despido dele mais do que devia e quase o beijei. Ah e ainda o vi completamente despido. Sim, o Enzo, aquele rapaz de quem pareces ter um ódio de morte. E claro, eu sei que nós tecnicamente não somos nada mas ainda assim. Sim, está tudo uma maravilha. Abanei a cabeça, fazendo um esforço descomunal para tentar calar o meu subconsciente que continuava contra mim – Desculpa mas hoje não me senti muito bem e fiquei no quarto. – mais mentiras – E desculpa ter desligado a tua chamada mas estava ocupada. – a quase beijar o Enzo que estava apenas com uma toalha enrolada à volta da cintura. Cala-te!, gritei interiormente para mim própria – Mas não precisas de te preocupar, amanhã já vou às aulas e está tudo bem.
- Hm… pareces estranha. – mordi o meu lábio inferior com força sentindo-me uma criancinha a ser apanhada em flagrante a roubar bolachas mas não havia forma do Martin saber o que se tinha passado – Espero que já estejas melhor e que não te tenha chateado com a minha chamada.
- Não, claro que não. Tinha saudades de ouvir a tua voz. – acrescentei sentindo-me automaticamente com vontade de me bater. Não tinha pensado no Martin o dia inteiro e mesmo depois de desligar a sua chamada ele tinha estado completamente longe dos meus pensamentos. Mas eu sabia, as coisas com o Enzo nunca resultariam por uma carrada de motivos que nem valia a pena enumerar sendo que um deles era o facto de eu não querer nada com ele, coisa que admito que hoje tinha estado longe de parecer mas mesmo assim, e queria sim que a minha relação com alguém como o Martin evoluísse – Vemo-nos amanhã, está bem?
- Eu também tenho saudades tuas. – engoli em seco, sentindo a minha barriga embrulhar-se toda ao ouvir aquelas palavras do Martin e desta vez não era de felicidade – Vemo-nos amanhã. Beijinhos Sky.
Desliguei a chamada e atirei o telemóvel para cima da mesa, agarrando novamente na minha chávena de chocolate que já não estava assim tão quente, e acabei de beber o conteúdo da mesma. Agarrei em todas as minhas coisas, dirigindo-me à caixa para pagar a minha bebida para voltar ao campus.
Ainda não estava pronta para todas as perguntas da Megan mas mesmo assim abri a porta do quarto com confiança, ou pelo menos esperava que tivesse sido com bastante confiança mas felizmente não precisei de nada disso porque a minha prima estava deitada na cama dela, cheia de cadernos e livros à volta dela mas em vez de estar a estudar, estava completamente adormecida.
Pousei as minhas coisas na secretária e fui tirar toda aquela tralha da cama dela, tapando-a com a colcha da cama de seguida. Despi calmamente a minha roupa, atirando-a para o chão sem me preocupar minimamente e depois de vestir o pijama enfiei-me na cama e deixei-me ser puxada pelo sono sem que antes claro, o Enzo voltasse a preencher os meus pensamentos.
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- Merda. – resmunguei entre dentes enquanto esfregava o meu braço que tinha acabado de ser atingindo – Para que é que foi isso? Ontem tirei-te a tralha toda da cama e tapei-te e tu és assim.
- Claro que sou assim! – abri os olhos para ver o que é que a Megan me tinha atirado e percebi que tinha sido o despertador que estava agora no chão, não se tinha partido por milagre, e que marcava as seis da manhã. Seis da manhã?! – Não vieste dormir aqui, o que ok eu percebo, a culpa foi minha, desculpa por isso mas uma coisa levou à outra e… - ela interrompeu-se a si própria quando percebeu que se estava a afastar do assunto – E depois faltas à universidade para passar o dia todo com o Enzo e só apareces em casa depois das onze da noite. O que raio é que aconteceu?
Afastei a roupa da cama para o fundo da mesma e deitei-me de lado, agarrada à minha almofada enquanto olhava para a minha prima – Nada. – respondi com um encolher de ombros. A Meg olhou para mim de sobrancelhas juntas sem acreditar naquela única palavra que eu tinha proferido – Não aconteceu nada. – repeti tentando parecer mais sincera.
- Não aconteceu nada? Passaste vinte e quatro horas sozinha com ele e não aconteceu nada?! Estás a tentar enganar quem?
Revirei os olhos – Fizemos o relatório e quando chegámos à conclusão que estávamos completamente sozinhos decidimos ir jantar juntos. Eu quis vir para aqui mas o meu quarto estava a ser ocupado por ti e pelo teu namorado e a última coisa que eu queria era estar na cama ao lado da vossa. Tive de dormir na mesma cama com o Enzo por causa da tempestade de proporções bíblicas que houve ontem à noite e não tinha mais ninguém para me ajudar a passar pelo meu drama com trovoadas. Acordámos já tarde e por isso não fomos às aulas; ele quis ir sair e fomos não sei para onde fazer uma espécie de piquenique até ele receber a mensagem do combate. O Enzo sofreu alguns golpes e eu fui outra vez para casa dele ajuda-lo com isso e pronto, depois vim embora, não aconteceu nada.
A Megan estava de olhos arregalados assim que eu parei de falar e com a boca aberta – Sky… - começou ela com aquele tom de voz que eu conhecia muito bem – Ainda… ainda pensas o mesmo em relação ao Enzo e ao Martin?
Voltei a revirar os olhos e levantei-me da cama irritada. Eram aquelas perguntas que eu sabia que não estava pronta para responder em voz alta e que não queria responder.
- Ainda penso o mesmo. – entrei na casa de banho e nem me dei ao trabalho de fechar a porta porque sabia que ela não ia ver aquele bocado de madeira como uma barreira para que aquela conversa chegasse ao fim – Tenho de me dar com o Enzo já que somos todos amigos mas não vai acontecer absolutamente nada entre nós. Já te disse que não vou cair no mesmo erro e o Martin é exatamente o tipo de rapaz com quem eu quero uma relação. – acho que tinha conseguido soar sincera mas continuava sem saber se era mesmo isso que eu pensava.
- O Enzo não vai desistir. Não depois de vocês passarem o dia todo juntos. – e ela não sabia tudo o que se tinha passado – Vais ter de pôr tudo no seu lugar e tens de lhe dizer que vocês são mesmo só amigos e que queres o Martin. Que já agora, se fartou de perguntar por ti ontem. Ele queria combinar outra saída contigo e estava todo em stress. – a Megan apareceu à porta da casa de banho com um sorriso – Ele é adorável.
- E em vez de te apaixonares por um rapaz como ele, estás toda embeiçada pelo irmão do Enzo. – atirei friamente – Acho que isso só quer dizer que esta família está mais do que destinada a ser uma desgraça no que toca a relações amorosas.
O sorriso da Meg desapareceu e senti-me automaticamente culpada por aquilo. Abri a boca para pedir desculpa mas ela interrompeu-me logo.
- Não peças desculpa, não disseste nenhuma mentira. O Tiago e o Enzo são diferentes. E eles são diferentes do Theo. Eu sei que estou a ser um bocado cabra ao querer-te afastada do Enzo quando estou com o irmão dele mas ambas sabemos aquilo que tu passaste e tal como tu, não te quero no mesmo caminho. Mesmo que eu esteja a seguir por um parecido.
Suspirei e aproximei-me da minha prima, deixando cair a minha cabeça no ombro dela – Quando decidimos vir para cá, pensava que ia correr tudo bem e que íamos conseguir mantermo-nos longe do passado mas afinal viemos cair numa história praticamente igual.
- Eu sei. – fechei os olhos quando os dedos da Meg passaram pelo meu cabelo – Mas isso não quer dizer que o fim venha a ser o mesmo e tens o Martin. Coisa que não tiveste da outra vez. Só tens de continuar a saber quem queres e manteres essas relações bem no sítio.
Assenti com a cabeça e endireitei-me – Ontem falei com o Martin, ele ligou-me. – mordisquei o meu lábio inferior de forma nervosa – Ontem passei o dia todo com o Enzo por isso hoje vou dedicar-me ao Martin. – esforcei-me por sorrir – Espero que ele não tenha mudado de ideias em relação a levar-me a sair novamente.
- Claro que não mudou, ele adora-te.
Voltei a forçar um sorriso – Então é melhor ir preparar-me. Vou tomar banho, até já. – beijei-lhe a bochecha antes de ir buscar a minha bolsinha onde tinha todas as embalagens e a minha toalha, dirigindo-me depois aos chuveiros do edifício.
Como ainda era bastante cedo, aquele local estava completamente deserto e escolhi um chuveiro completamente ao calhas. Abri a água quente, deixando-a escorrer pelo meu corpo e fechei os olhos com força. Precisava de ficar longe do Enzo e perto do Martin, era exatamente isso que tinha e que ia fazer.
Abri novamente os olhos para agarrar na embalagem de shampoo e foi quando olhei em volta que percebi que estava exatamente no mesmo cubículo onde tinha estado quando o Enzo tinha entrado por aquele sítio adentro e se tinha apoderado do chuveiro à direita do meu. Senti o meu corpo arrepiar completamente com aquele pensamento misturado com recordações da noite anterior e tentei ao máximo deixar a minha mente completamente em branco enquanto acabava o duche.